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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Criança adotada permanece com família adotiva mesmo sem consentimento da mãe biológica

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a permanência de uma menina com seus pais adotivos, mesmo tendo sido constatado que a mãe biológica foi forçada a entregar a filha para adoção. Os ministros da Terceira Turma entenderam que o interesse da criança deverá prevalecer na disputa entre as duas famílias e decidiram que o melhor para ela é continuar com a família adotiva, que desde seu nascimento, há quase nove anos, supre suas “necessidades materiais e afetivas para uma vida digna”.

A mãe biológica entregou a filha para adoção logo que nasceu, afirmando que não possuía condições financeiras para criá-la. Um mês depois, um casal requereu a adoção da criança, fruto de uma relação incestuosa entre a mãe, menor de idade na época, e seu padrasto. Na ocasião, o casal recebeu a guarda provisória da menor. Quatro meses depois, a mãe biológica se retratou quanto às declarações de que queria entregar a filha, revelando que apenas consentiu com a adoção porque foi coagida por seu pai.

Com a retratação da mãe, o Ministério Público do Distrito Federal requereu a anulação de todo o processo de adoção e a marcação de nova audiência. Os pais adotivos sustentaram que desconheciam os fatos relatados por ela e insistiram na adoção, mas concordaram em ouvir novamente a mãe. A Seção de Adoção da Vara da Infância e da Juventude emitiu laudo informando que a mãe biológica parecia empenhada em “estabelecer uma aproximação física e afetiva com a filha” durante as visitas, mas ao mesmo tempo a menina desfrutava de “todo carinho e atenção” na convivência com os pais adotivos.

A sentença foi favorável à adoção, ao entendimento de que a mãe biológica não dispunha de condições materiais e psicológicas para cuidar da filha e lhe propiciar cuidados semelhantes aos que ela estava recebendo da família adotiva – embora tenha sido esclarecido que as condições financeiras não eram requisito único para fundamentar a decisão.

A mãe biológica interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que reconheceu a coação para entrega da criança e considerou que o longo tempo em que a menina esteve com a família adotiva não poderia prevalecer sobre o direito de a mãe criar sua filha. Segundo o acórdão, a adoção de criança ou adolescente que possua pais conhecidos depende da anuência dos genitores, exceto se desprovidos do poder familiar: “Essa condição emerge do direito natural que é assegurado aos pais de terem consigo os filhos e dirigir-lhes a educação, e, em contrapartida, do direito natural resguardado aos filhos de serem criados e educados no seio da sua família biológica.”

Interesse da criança

Os pais adotivos entraram com recurso no STJ. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que “as disputas que envolvem guarda ou adoção de criança sempre vêm envoltas em muitas e múltiplas emoções, que opõem genuínos direitos e interesses, e não se pode pretender solver querela que trate da adoção por singela aplicação pura e literal da lei” – sob pena, segundo ela, de se “vulnerar o princípio do melhor interesse da criança, cuja intangibilidade deve ser preservada”. Sendo assim, a ministra considerou que os direitos dos pais adotivos e da mãe biológica não deveriam prevalecer sobre o direito primário e maior da criança, à qual deveriam ser asseguradas condições mínimas de desenvolvimento sociopsicológico.

Citando trecho do acórdão do tribunal de segunda instância, a ministra destacou que a menina não conhece outra referência familiar a não ser os pais adotivos, os quais, mesmo com três filhos e já com certa idade, se dispuseram a assumir a condição de pais de uma criança com a qual não possuem laços consanguíneos.

A relatora disse que a menina, “nesse período, além de construir todos os vínculos emocionais inerentes a um grupo familiar, também adquiriu suas noções próprias de crenças, hierarquia, autoridade, respeito, compartilhamento, deveres e direitos e todos os demais elementos de formação cultural”. A ministra afirmou ainda que a entrega da guarda da menina à mãe biológica custaria a “sofrida necessidade de readaptação” a valores e costumes diferentes daqueles constituídos desde seu nascimento.

A Terceira Turma acompanhou a relatora de forma unânime. “Não se ignora o sofrimento da mãe biológica da adotanda, nem os direitos que lhe são inerentes – frutos de sua maternidade –, porém, nem aquele nem estes são esteio suficiente para se fragmentar a família de fato da menina e colocá-la em verdadeiro limbo emocional, afastando-a de suas únicas referências de amor, solidariedade, conforto, autoridade, em suma, desligando-a daquela que sempre foi a sua família”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo.

FONTE: STJ - Coordenadoria de Editoria e Imprensa

quinta-feira, 30 de junho de 2011

TST - Vale do Rio Doce cria "lista suja” e é condenada por dano moral coletivo

Por ter pressionado empresas terceirizadas e contratadas a dispensar ou não admitir empregados que haviam ajuizado reclamação trabalhista contra ela, criando assim uma “lista suja”, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 800 mil, revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A condenação, imposta pela Justiça do Trabalho da 17ª Região (ES), foi mantida pela Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

Em agosto de 2006, a 12ª Vara do Trabalho de Vitória recebeu a denúncia contra a Vale do Rio Doce em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 17ª Região (ES), que pedia a condenação da empresa. A conduta discriminatória empresarial foi confirmada pelo juízo de primeiro grau, e a Vale do Rio Doce foi condenada ao pagamento de indenização pelo dano causado aos trabalhadores.

Após ter o recurso indeferido no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, a empresa recorreu à instância superior, mas a condenação acabou sendo mantida. O ministro Emmanoel Pereira, relator que examinou o recurso na Quinta Turma do TST, informou que o acórdão regional foi conclusivo ao afirmar que a Vale, de fato, praticou ato lesivo contra trabalhadores que reclamaram seus direitos na Justiça. Segundo o Regional, a conduta da empresa foi “uma violência contra as normas protetivas do trabalho”. Ao final, o relator não conheceu do recurso ante o entendimento de que ele não satisfazia as exigências necessárias à sua admissibilidade. A decisão foi unânime.

(Mário Correia)

Processo: RR-103600-95.2006.5.17.0012

FONTE: Secretaria de Comunicação Social do Tribunal Superior do Trabalho

Informação veiculada em site da Justiça tem valor oficial - STJ

As informações veiculadas pelos tribunais em suas páginas de andamento processual na internet, após o advento da Lei n. 11.419/06, devem ser consideradas oficiais, e eventual equívoco ou omissão não pode prejudicar a parte. Este foi o entendimento reafirmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso de duas empresas de engenharia e uma companhia de participações que pediam reabertura de prazo para responder a uma ação.

No caso, foi proposta ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais contra as empresas, que foram citadas por correio. De acordo com o artigo 241, inciso I, do Código de Processo Civil, o prazo para responder começaria a transcorrer apenas após a juntada do último aviso de recebimento.

Entretanto, por omissão do cartório judicial, não foi publicada no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) informação sobre a juntada aos autos do aviso de recebimento da última carta de citação e nenhum dos réus respondeu à ação.

Para evitar o reconhecimento da revelia, as empresas se manifestaram nos autos esclarecendo o ocorrido e pedindo a reabertura de prazo para a resposta, mas o magistrado e o Tribunal gaúcho não reconheceram a configuração de justa causa.

O relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que compartilhava do entendimento pacificado anteriormente no STJ de que as informações processuais constantes nos sites dos tribunais teriam caráter meramente informativo e que, por não serem oficiais, não serviriam de justa causa para reabertura de prazos. No entanto, o ministro decidiu rever sua posição em função da importância adquirida pelo processo eletrônico.

"Convenci-me de que, no atual panorama jurídico e tecnológico, é imprescindível que se atribua confiabilidade às informações processuais que são prestadas pela página oficial dos tribunais. Não parece razoável que o conteúdo de acompanhamento processual eletrônico dos tribunais não possa ser digno de plena confiabilidade por quem o consulta diariamente. Mesmo apresentando um caráter informativo, deve ter um mínimo de credibilidade", ponderou o relator.

A interpretação de que as informações dos sites não têm caráter oficial foi adotada em vários julgamentos do STJ, inclusive pela Corte Especial, mas na maior parte dos casos antes da Lei n. 11.419/06. Esse entendimento ainda prevaleceu por algum tempo após a mudança legislativa, até que a Terceira Turma, tendo em vista a nova lei, decidiu alterar sua posição sobre o tema ao julgar o Recurso Especial 1.186.276.

Sanseverino observou que a disponibilização eletrônica de informações sobre os processos facilita o trabalho dos advogados e o acesso das próprias partes ao conteúdo de andamento do processo. Para o Ministro, se as informações veiculadas não são confiáveis, a finalidade da inovação tecnológica acaba por ser desvirtuada e a informação prestada erroneamente torna-se mais danosa do que a simples ausência de informação.

O relator lembrou ainda que, "na esteira da evolução que a virtualização de processos representou, a confiança nas informações processuais fornecidas por meio eletrônico implica maior agilidade no trabalho desenvolvido pelos cartórios e pelas secretarias judiciais, ensejando maior observância ao princípio da eficiência da administração e, por conseguinte, ao princípio da celeridade processual".

Desse modo, a Turma reconheceu a configuração de justa causa e determinou a reabertura do prazo para apresentação de resposta. A decisão foi unânime.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

terça-feira, 28 de junho de 2011

Casamento homoafetivo - Juiz de Jacareí/SP converte união estável de pessoas do mesmo sexo em casamento.

O juiz de Direito Fernando Henrique Pinto da 2ª vara da Família e das Sucessões de Jacareí/SP, homologou ontem, 27, a conversão da união estável em casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.

L.A.M. e J.S.S., ambos do sexo mascullino, protocolaram a solicitação em que afirmam viver em união estável há oito anos. O MP deu parecer favorável ao pedido. O pedido foi instruído com declaração de duas testemunhas, que confirmaram que os dois "mantêm convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família". Foram realizados os proclamas e não houve impugações.

A decisão do juiz de Direito Fernando Henrique Pinto partiu do princípio que "o maior e mais repetido princípio da Constituição da República Federativa do Brasil é o da igualdade."

Ponderou o magistrado que mais de duas décadas passadas desde a CF/88", é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados fossem" e que "a ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por morte."

O magistrado recordou o preconceito sofrido pelos homossexuais, em que "alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição." Lembrou também que "o motivo maior de uma união humana é – ou deveria ser - o Amor, até porque este é pregado pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como o valor e a virtude máxima e fundamental."

Na decisão, o juiz afirma que no Brasil, que sofre com diversas mazelas, "há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém."

Assim, com base nesse entendimento, o juiz de Direito Fernando Henrique Pinto homologou a conversão da união estável em casamento dos requerentes, que ainda passaram a ter o mesmo sobrenome.

Veja abaixo a íntegra da sentença.

"Vistos.

L.A.D.R.M. e J.S.S.D.S., ambos do sexo masculino, demais qualificações nos autos, protocolaram pedido de conversão de união estável em casamento.

Instruíram o pedido com escritura pública lavrada em 17/05/2011, perante o 1º Tabelião de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Jacareí/SP (livro nº. 705, fls.017), onde declararam viver em união estável há 8 (oito) anos.

Foi publicado edital e cumpridas todas as formalidades legas para habilitação a casamento, não havendo impugnações.

O pedido foi instruído com declaração de duas testemunhas, no sentido de que os requerentes “mantém convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

O Ministério Público ofertou parecer favorável ao pedido.

É o relatório do necessário. Fundamento e decido.

Preliminarmente, observa-se que, conforme pedido expresso dos autores, os mesmos pretendem a conversão de alegada união estável em casamento, como permite e prevê o art. 226, § 3º, parte final, da Constituição Federal, e o art. 1.726 do Código Civil.

Regulamentando tais dispositivos constitucionais e legais, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, em suas Normas de Serviço (Tomo II, Capítulo XVII, Seção V, Subseção IV, art. 135), assim disciplinou o procedimento de conversão da união estável em casamento:

“87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005).

87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento. (Nota 3: Prov. CGJ 25/2005).

87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, salvo se este houver editado portaria nos moldes previstos no item 66 supra. (Nota 4: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).

87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio. (Nota 5: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).

87.4. O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no Livro "B", exarando-se o determinado no item 81 deste Capítulo, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento. (Nota 5: Prov. CGJ 25/2005).

BLOCO DE ATUALIZAÇÃO Nº 28 - CAP. XVII - 31

87.5. A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil. (Nota 1: Prov. CGJ 25/2005).

87.6. Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do início, período ou duração desta. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005)”.

Resumindo-se, verifica-se que o casamento civil tradicional difere do casamento por conversão de união estável apenas pela substituição do ato solene da celebração, presidido pelo “juiz de paz”, pela homologação, realizada pelo Juiz de Direito responsável pela Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais da comarca.

No mérito, cumpridas todas as formalidades legais, a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o que se passa a apreciar.

O maior e mais repetido princípio da Constituição da República Federativa do Brasil é o da igualdade.

A mesma constituição elegeu a “dignidade da pessoa humana” como um de seus “fundamentos” (art. 1º, inciso III), e declarou que o Brasil tem como “objetivos fundamentais” a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”, bem como “promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, incisos I e IV).

Também determina a Constituição Federal que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (art. 5º, inciso I).

Mais à frente, no Título “Da Ordem Social”, a Lei Maior afirma que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (art. 226, caput).

Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe que o mesmo “é civil e gratuita a celebração” (art. 226, § 1º), acrescentando que “o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei” (art. 226, § 1º), e que o casamento “pode ser dissolvido pelo divórcio” (art. 226, § 6º, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 66, de 13/07/2010).

A Constituição Federal também declara que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável (...) como entidade familiar, DEVENDO A LEI FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO”, e que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, §§ 3º e 4º).

Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa Lei Maior enfatiza que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5º).

Aqui cabe abrir parêntesis para alertar que tal dispositivo não necessariamente declara que casamento existe apenas entre homem e mulher, até porque “sociedade conjugal” não é “casamento”, sendo certo que a primeira sempre pôde ser dissolvida pela “separação” (de fato, judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o segundo somente é dissolvido pelo “divórcio”.

Contudo, aparentemente rompendo todo esse contexto de ênfase no princípio da igualdade, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao mencionar a união estável em seu art. 226, § 3º, assim se pronunciou: “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (art. 226, §§ 3º).

Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988, quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década do Século XXI, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados fossem.

A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por morte.

Nesse contexto, tramitava perante o Supremo Tribunal Federal a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº. 178 (conhecida como a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº. 4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, objetivando a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pedia-se, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Também estava em trâmite a ADPF nº. 132, onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.

Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de tais ações, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exma. Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie – decorrendo votação unânime dos presentes.

Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição Federal, possui “eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a qual “onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito” (“ubi eadem ratio, ibi eadem jus”).

Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de direito civil denominado casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5º, da Constituição Federal – o que apenas não foi declarado no mencionado precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.

Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou organização religiosa.

É bom e necessário que assim seja, pois alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil.

A discriminação (ou preconceito) contra homossexuais decorre normalmente de equívoco sobre a origem “psíquica” do homossexualismo, e de dogmas ou orientações religiosas.

O equívoco de origem “psíquica” é a crença que o homossexualismo e suas variantes (transexualismo etc.) ou a união homoafetiva constituem simples opção sexual.

Tal premissa parece equivocada, porque o fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente atraído(a) por pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes de repudiar contato íntimo com pessoa do sexo oposto, não se mostra como uma opção. Tudo indica tratar-se de uma característica individual de determinados seres humanos, tão independente da vontade quanto a cor do cabelo, da pele, o caráter, as aptidões etc.

De fato, se no mundo ainda vige forte preconceito contra tais pessoas, e se as mesmas têm de passar por sofrimentos internos, familiares e sociais para se reconhecerem para elas próprias e publicamente com homossexuais – às vezes pagando com a própria vida -, parece que, se pudessem escolher, optariam pela conduta socialmente mais aceita e tida como “normal”.

O dogma ou orientação religiosa que de forma mais marcante se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é a colocação da relação sexual procriadora como principal elemento ou requisito essencial do casamento.

Ocorre que o motivo maior de uma união humana é – ou deveria ser - o Amor, até porque este é pregado pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como o valor e a virtude máxima e fundamental.

Fosse de outra forma, muitas religiões não poderiam aprovar casamentos entre pessoas de sexos opostos que não podem ter filhos. E se assim agem, parecem afrontar a Lei Cristã do Amor, e prejudicam a formação da entidade familiar ou família, que é a base da sociedade.

Por outro enfoque, muitos se preocupam com o potencial envolvimento de crianças ou adolescentes na entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Mas, se esquecem que a falta de planejamento familiar, da qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas de sustento e educação, bem como atos abomináveis, como, por exemplo, a remessa de recém nascidos em latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são diariamente protagonizados por “casais” de sexos opostos ditos “normais” e/ou por pessoas heterossexuais.

O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é palco da falência da segurança pública, das fronteiras sem controle, da disseminação descontrolada das drogas, da endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que mais mata do planeta Terra.

Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.

Finalmente, cabe anotar que no último dia 17 de junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução histórica destinada a promover a igualdade dos seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A resolução, que teve aprovação do Brasil, embora sem ações afirmativas, dispõe que “todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades sem nenhuma distinção”.

Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição de vontades declarada pelos requerentes do presente procedimento, para CONVERTER em CASAMENTO, pelo regime escolhido da comunhão parcial de bens, a união estável dos mesmos - os quais, por força deste casamento, passam a se chamar respectivamente “L.A. R.S.M.” e “J.S.S.M.”.

Tratando-se esta sentença de ato judicial que substitui a celebração, a mesma tem efeitos imediatos. Assim, lavre-se o registro de casamento e providencie-se o necessário às averbações nos registros dos nascimentos das partes.

No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias, arquivem-se os autos.

P.R.I. Ciência ao Ministério Público.

Jacareí/SP, 27 de junho de 2011.

Fernando Henrique Pinto
Juiz de Direito

terça-feira, 21 de junho de 2011

Anulação de união homoafetiva em Goiás é atentado ao STF, diz ministro

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, criticou hoje (20) a decisão do juiz Jerônymo Pedro Villas Boas que anulou uma união estável de um casal homossexual de Goiânia. Segundo ele, a sentença é um “atentado” ao STF e passível de cassação.

“Se ele [o juiz] foi contra ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, eu entendo isso como um atentado à decisão do Supremo, que é passível de cassação”, afirmou Fux, antes de participar de um debate sobre a reforma do Código de Processo Civil, em São Paulo.

Em maio, o STF equiparou os direitos de casais de pessoas do mesmo sexo ao de casais de heterossexuais. Com isso, casais gays passaram a poder firmar contratos de união estável em cartórios de todo país.

Para o juiz Villas Boas, da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e de Registros Públicos de Goiânia, a decisão do STF vai contra a Constituição. Por isso, ele determinou a anulação de um contrato de união estável entre dois homens, registrado na capital de Goiás e ainda determinou que todos os cartórios da cidade não registrem mais documentos desse tipo.

A sentença de Villas Boas foi divulgada na sexta-feira (17). A decisão é de primeira instância, portanto, passível de recurso.

Fux disse que, certamente, uma reclamação a respeito da decisão do juiz chegará ao STF. O Supremo, então, deve reverter a sentença e manter os direitos dos homossexuais. O ministro do STF disse ainda que a reclamação contra a decisão do juiz ficará registrada no seu histórico funcional. Será também encaminhada aos órgãos disciplinares do Judiciário.

“As reclamações sempre trazem um resíduo funcional”, afirmou ele. “Sempre se encaminha aos órgãos disciplinares para que a autonomia [de um juiz] não prejudique o povo.”

O ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do STF, confirmou que a decisão do juiz de Goiânia deve ser anulada. Disse também que não acredita que a decisão do STF seja revertida. “Acredito que não há nenhuma justificativa para temor”, disse ele, que também participou do debate em São Paulo.

Mendes não descartou, porém, a possibilidade de outros juízes do país questionarem a decisão do STF sobre os direitos de casais gays, mesmo sendo o Supremo a instância máxima da Justiça. “Sempre deverá surgir uma peculiaridade", disse.

Fonte: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/06/20/anulacao-de-uniao-homoafetiva-em-goias-e-atentado-ao-stf-diz-ministro/  Vinicius Konchinski

Controle da legalidade? Veja o teor da decisão do juiz de Goias que anulou o registro de casamento do casal homossexual

"Por ofício, o juiz de Direito Jeronymo Pedro Villas Boas, da 1ª vara da Fazenda Pública de Goiânia, anulou o registro de uma união homossexual feita num cartório da cidade. Para o magistrado, a união homossexual não existe no sistema constitucional brasileiro. Villas Boas determinou ainda a comunicação a todos os Cartórios de Registro de Títulos e Documentos e do Registro Civil, de Goiânia, para que se abstenham de proceder a qualquer escrituração de declaração de união estável entre pessoas do mesmo sexo sem que haja expressa determinação em sentença judicial de reconhecimento, proferida pelo juiz de Direito competente."

Confira abaixo a íntegra do ofício

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Procedimento Ex-Officio – art. 25, 4 do COJEG
Exercício do Poder Correcional
Controle de Legalidade de Ato Notarial
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Decisão

Requisitei de ofício cópia do ato notarial, cujo teor foi noticiado pela imprensa como sendo a primeira “união” reconhecida entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, consistente em escrituração de declaração de “união estável” feita por dois cidadãos do sexo masculino, onde alegam conviverem sob o mesmo teto a mais de um ano, de forma contínua e pública, optando por regime de bens nos termos do art. 1.725 do CC.

Reporta o ato notarial à recente decisão do e. Supremo Tribunal Federal [cujo acórdão ainda não fora publicado], conferindo interpretação conforme ao disposto no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento deste tipo de união, dizendo que o reconhecimento deve ser feito “segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva” (cf. parte dispositiva do voto do Ministro Ayres Britto) , em enchança de proteção à dignidade da pessoa humana, nos termos do inc. III, do art. 1º, da Constituição Federal.

Trata-se, a escritura assentada em livro de registro de ato notarial que pretende alterar a situação civil de duas pessoas do mesmo sexo, pretendendo o reconhecimento do Poder Público para com o relacionamento declarado de ver albergada a situação jurídica sob o manto protetor do art. 1.723 do Código Civil Brasileiro.

Tomadas estas premissas, decido.

O Poder Constituinte Originário legitimador da elaboração da Constituição de 1988, exercido pelo Congresso Nacional no linde da transposição do regime político havido em 1964 por imposição militar, deu-se em face dos movimentos populares que eclodiram principalmente a partir do final de 1969, consolidando a chamada resistência democrática.

Tais movimentos, embora evasivos e centrados apenas na possível redemocratização (tema de uma esperança), tomaram, nos grandes centros e em algumas regiões do interior do país, rumos violentos, protagonizados por ativismo político de alguns setores militantes da sociedade e das organizações políticas.

A par disto se consolidou nas Universidades, Sindicatos, Igrejas, Ordens Profissionais (a exemplo da OAB e ABI) e Organizações Políticas (muitas delas clandestinas), entes que de fato compunham a inteligência do movimento de resistência e por redemocratização, uma forte oposição ao autoritarismo enraizado no regime de 64, principalmente a partir do AI-5, editado em 1969, suprimindo liberdades públicas.

Nestes anos negros que necessitavam da luz, foram emergindo nos centros politizados o forte sentimento de nação democrática que se expandiram para as praças e ruas sedimentado na indignação e resistência à opressão, como um valor condicionante de “vontade de constituição”, que teve no Menestrel das Alagoas (Senador Teotônio Vilela) um de seus maiores apologista.

A reconstitucionalização do Brasil estava, neste momento histórico (1969-1987) sendo redesenhada, ganhando seus contornos prementes – contudo, com traços imprecisos e quilhados no mar tormentoso do regime militar que oprimia a difusão de idéias e a liberdade de expressão, em todas as áreas.

Neste esboço feito a tempo, os valores, princípios e condições de exercício do Poder Constituinte pelos representantes do povo, iam se fluidificando naquele movimento que Lyra Filho bem gravou como de convulsões de forças centrípetas e centrifugas do meio social, consolidando os lindes para que a Constituição Formal fosse escrita.

Sobretudo se propunham como valores e princípios de resistência e não como vetores revolucionários, tanto que as duas ordens materiais de constitucionalização do Estado e da Sociedade conviveram por longos três anos, entre meados de 1985 até o dia 5 de outubro de 1988, uma emprestando contornos para a outra, sem importantes rupturas institucionais – algo que a Lei de Anistia havia preparado.

Este breviário de fatos (rememorados por quem também viveu esse tempo) tem grande relevo para se identificar quais os principais valores, princípios e condições ditaram os limites do Poder Constituinte ao Legislador de 1988, e que se tornaram o núcleo principiológico da Constituição Cidadã.

Embora o rol não seja tão extenso, tomemos apenas alguns dos eixos desses vetores de constitucionalização, ou seja: i) pré-existência de um Estado de Direito condicionante do princípio de transição política de regimes; ii) pré-existência de princípios de liberdades públicas que se alocaram no cerne da primeira Constituição do Brasil (1824), formando um núcleo liberal; iii) pré-existência do conceito de Família como núcleo base da sociedade, difundida como Instituição Matrimonial com origem no sistema canônico da Igreja Católica, premida pela indissolubilidade do matrimônio; iv) pré-existência de um sentimento popular de cristandade, originário na primeira Constituição Brasileira (1824) fruto de um Estado Confessional, que sedimentou a religiosidade do Povo e, depois (1890) na pluralidade de credos decorrente da separação entre Estado e Igreja que abriu as portas para a evangelização, verberada pelo Decreto 119-A, da República; v) pré-existência de um sistema de privacidade e reserva de autonomia privada, frente ao Estado (com fonte naquilo que se denominou ainda no Império Romano de pater familias); vi) pré-existência de direitos humanos dignificantes, postos principalmente em documentos internacionais subscritos pelo Brasil, como, p. ex., a Declaração Universal de Direitos Humanos com contornos condicionantes (heteroconstitucionalidade), onde a família é expressamente definida como núcleo base da sociedade, formada a partir da união entre homem e mulher (art. 16º, da Declaração Universal dos Direito do Homem de 1948 ).

Isto tudo de certa forma posto como preâmbulo da Constituição Formal brasileira em 1988, fundada na pretensão de harmonia social, que possui a seguinte redação enunciativa:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

Digo isto para constatar e afirmar que os Poderes Constituídos não são maiores que o Poder de Constituição, ou seja, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (e principalmente este último) não possuem o Poder de alterar os fundamentos da Constituição Material, mesmo considerando a dinamicidade dos valores que se movimentam neste núcleo. Pois, os preceitos normativos da Constituição Formal, naquilo que se constitui Cláusula Pétrea, são imutáveis e somente um novo Poder Constituinte os pode alterar ou revogar [tratam-se de limitações material e formal do poder constituinte derivado] e que são cadenciados na sua evolução histórica por um conjunto de valores morais da sociedade, que se traduzem do governo moral resultante da lei [fator distinto do governo físico, com uso da força de coerção, que também resulta da lei].

Portanto, nem mesmo a interpretação [como vicissitude constitucional] conforme a Constituição, por ato de concreção confiado a Corte Constitucional, detentora do monopólio de última palavra quanto a constitucionalidade das leis e atos normativos, pode sobrepor à Constituição Material, para lhe modificar o sentido ou o conteúdo, emprestando a determinada norma um parcial contorno de constitucionalidade/inconstitucionalidade.

Cabe aqui ressaltar que o Poder é exercido conforme a Constituição [portanto Constituição Formal possui a primazia da normatividade ordenada], não podendo ser sobreposta na sua normatividade pela vontade/decisão de órgãos que exercem algum tipo de poder dela derivado, ou, em outras linhas, como constatado por Luis Alberto Warat: somente existe uma norma cogente sobrepairando acima da Constituição, a de que todos devem obedecer a Constituição.

É o que expressa o parágrafo-único do art. 1º da Constituição da República, declarando: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (grifo).

Pois bem, pré-existindo a comunidade política (o Povo) como delegante do poder constituinte e sedimentada em núcleos bases, compreendidos como família resultante da união entre um homem e uma mulher, não pode o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário ampliar o leque de proteção constitucional da Família Constitucional, para incluir neste conceito positivo outro tipo de coabitação, contrário senso daquilo que se sedimentou e evoluiu como comportamento natural na sociedade.

É que a Família no Sistema Constitucional brasileiro alberga apenas os tipos elementares dispostos no art. Art. 226, da Constituição Federal, para efeito de especial proteção do Estado como antes exigido pela Declaração Universal pactuada, in verbis:

Art. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (grifos)

Aliás, este dispositivo não é norma “isolada no contexto da Constituição” Material e Formal brasileira, pois encontra seu fundamento nos antecedentes artigos nucleares da Constituição, encontradiços no cerne fundamental da Carta Política.

Primeiramente no que se condensa dos valores dispostos no preâmbulo e em seguida no disposto nos incs. II e III, do art. 1º e no disposto no inc. II do art. 4º da Constituição da República.

O inc. I, do art. 5º, ademais, define ao dispor sobre o conceito de igualdade – como não poderia deixar de ser – de modo natural e decorrente da estrutura biológica dos seres criados que os cidadãos se dividem quanto ao sexo como “homens e mulheres”, que são iguais em direitos e obrigações e mesmo considerando o sentido evolutivo deste princípio para obter dele o máximo de efetividade possível, não há como alterar substancialmente a natureza individual de cada ser para criar o chamado terceiro sexo.

A idéia de um terceiro sexo [decorrente do comportamento social ou cultural do indivíduo ], portanto, quando confrontada com a realidade natural e perante a Constituição Material da Sociedade (Constituição da Comunidade Política) não passa de uma ficção jurídica, incompatível com o que se encontra sistematizado no Ordenamento Jurídico Constitucional.

Os cidadãos (homens ou mulheres) de fato possuem igualdade de tratamento e não devem sofrer qualquer discriminação (seja qual for seu comportamento sexual privado, no que se constitua em prática lícita ou não incriminada por uma lei penal anterior) desde que pautado no cumprimento daquilo que é ordenado pelas Leis Constitucionais [não podendo fazer o que é proibido].

Dispondo o indivíduo da liberdade de fazer ou não fazer tudo que não lhe seja expressamente proibido, obtendo assim igualdade de tratamento na esfera de proteção jurídica do Estado [o que não pode haver é discriminação, termo este que não se reduz à proteção jurídica do Estado, devido ao poder de repressão de que é imbuída a autoridade de punir condutas ilícitas e pelo mero fato de que nem tudo que é permitido é legítimo].

A liberdade sexual (de relacionar-se com pessoa do mesmo sexo) desde que não proibida (como exemplo do que ocorre no art. 253 do Código Penal Militar, que criminaliza a sodomia e no art. 233 do Código Penal, quanto ao ato obsceno, além das diversas normas de posturas dos Municípios que regulam a permanência em locais de uso comum do povo), encontra sede apenas no âmbito da vida privada, não sendo sua exteriorização por comportamentos anticonstitucionais aptos a gerarem direitos, dignos de proteção da Constituição Formal ou Material.

Conceber um remendo ou meio termo constitucional para “nivelar” comportamentos privados, seria o mesmo que se admitir a prática em público de ato heterossexual ou mesmo de admitir que um determinado vocalista de banda de rock fizesse a exposição de seus órgãos íntimos em público, com fundamento na ordem que não discrimine padrões de condutas sexuais.

Não sendo, portanto, o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo tido sob o mesmo teto de forma contínua, duradoura e de conhecimento público, apto a gerar núcleo familiar [Família Constitucional nos termos do art. 226 da CF, bem como no núcleo base da Comunidade Política] – por lhe faltar a principal característica de sentido do relacionamento familiar, ou seja, a possibilidade de constituir prole comum, não se lhe pode ressalvar a garantia de proteção do Estado.

É este último aspecto de possibilidade da constituição de prole comum que caracteriza a Família Constitucional, o fator justificante da opção feita pela Comunidade Política (o Povo), via de seus representantes, na Assembléia Nacional Constituinte, para destacar no texto da Constituição a especial proteção dispensada a Família Monogâmica (formada por homem ou mulher) e para a Família Monoparental (formada por qualquer dos pais e seus descendentes), filhos havidos naturalmente ou por adoção.

Tal especial proteção se deve ao princípio germinal da formação do Estado que é o da sua pretensão de historicidade (continuidade de existência política), que não se realiza sem as sucessivas gerações de seus cidadãos, vivendo cada qual o seu tempo histórico.

Vista esta senda constitucional, ressalto que o ato escritural em apreciação se traduz como anotação anticonstitucional [ilegítima] em sede de Registro Público, não podendo deste ato se retirar qualquer benefício jurídico.

Ocorre que os atos notarias devem estrita observância ao princípio da legalidade em prol da segurança registral, não podendo o responsável pelo Serviço delegado pretender albergar direitos controversos, extraídos de simples declaração de vontades individuais sobre a vida privada de dois cidadãos do mesmo sexo, dando a estes algum significado de reconhecimento público ou estatal de que juntos formam núcleo familiar.

Ademais, pretendendo-se alterar o estado civil das pessoas via de reconhecimento de sociedade de fato, é certo que tais anotações somente podem ocorrer em sede de Registro Civil da pessoa natural e por ordem judicial, provinda do Juiz de Direito competente. O mero ato declaratório (perante o Registro de Títulos e Documentos) não é capaz de suprir os requisitos formais para garantia de qualquer direito de proteção constitucional dispensada à Família núcleo-base da sociedade, considerando as atribuições residuais deste tipo de registro (parágrafo-único do art. 127, da LRP).

Assim, com fundamento no art. 48 da Lei de Registros Públicos e em face do poder permanente de correição, conferido ao Juiz em geral, no disposto no art. 26, item 4, do Código de Organização Judiciária do Estado de Goiás, diante da nulidade formal e matéria do ato notarial aqui apreciado, inapto para gerar qualquer direito perante terceiros, determino o cancelamento da “Escritura Pública de Declaração de União Estável” lavrada nos termos do Livro 00337-N, ás fls. 072/073 no 4º Registro Civil e Tabelionato de Notas, devendo o Senhor Oficial cientificar os interessados.

Outrossim, oficie-se a todos os Cartórios de Registro de Títulos e Documentos, da Comarca de Goiânia e do Registro Civil para que se abstenham de proceder a qualquer escrituração de declaração de união estável entre pessoas do mesmo sexo sem que haja expressa determinação em sentença judicial de reconhecimento, proferida pelo Juiz de Direito competente.

Cumpra-se.

Goiânia, 17 de junho de 2011.

JERONYMO PEDRO VILLAS BOAS

Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública
Municipal e de Registros Públicos

Fonte: MIGALHAS n° 2.655
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI135939,11049-Justica+de+GoiAnia+cancelou+um+contrato+de+uniao+civil+entre

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O voto do Min Celso de Mello na ADPF 187

Hoje, quarta-feira, 15.06.2011

No Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) há, hoje, uma enorme discussão em torno da analisa a ADPF 187 e se as chamadas marchas pró-legalização das drogas constituem apologia ao crime ou não. Juridiquês à parte, sem dúvida, a moda das "marchas" devem respeitar a legidlação em vigor no País.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, acaba de suspender a sessão plenária desta quarta-feira (15), em que a Corte julga a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187. O processo, ajuizado na Corte pela Procuradoria-Geral da República em 2009, questiona a interpretação que o art. 287 do Código Penal tem eventualmente recebido da Justiça, que tem considerado que as chamadas marchas pró-legalização das drogas constituem apologia ao crime.

O relator, ministro Celso de Mello, iniciou seu voto pela análise das preliminares. Ele conheceu da ADPF e rejeitou a ampliação da análise da matéria feito pela Abesup, como por exemplo a permissão do cultivo doméstico e o uso de substância psicotrópicas em rituais religiosos e uso medicinal, entre outros.

Devem se manifestar a Procuradoria-Geral da República (PGR) – autora da ação, e as amicus curiae Associação Brasileira de Estudos Sociais de Psicoativos (Abesup) e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Este processo do controle da constitucionalidade não tem nenhum escopo sobre a discussão dos efeitos das "drogas". Em verdade o objeto jurídico é o direito de reunião e de manifestação.

Tenho para mim que a liberdade de reunião é vocacionada na liberdade de livres expressões das idéias. Liberdade de manifestação ao pensamento. Implícito o direito de protestar. Qualquer cidadão pode, então, expressar as suas idéias e opiniões sem sofrer repressão, conforme garantia constitucional prevista na Constituição Federal de 1988.

O decano Min. Celso de Mello lembrou no seu voto as palavras de Rui Barbosa quando da disputa de sua última eleição à Presidência quando conseguiu uma ordem de HC no STF para exercer o direito de reunião e de palavra. Isso em 1919 (século XX).

Lembrou a ADI 1969/DF da Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski. A liminar foi deferida pelo Min. Marco Aurélio Mello. O direito de reunião está associado a outro, qual seja, a manifestação do pensamento. A discussão envolvia, inclusive, a Praça dos Três Poderes em Brasília/DF.

A questão principal é a garantia da liberdade da manifestação do pensamento em qualquer assunto. Mostrou-se contrário ao “ajuntamento ilícito”, figura prevista no Código Penal em vigência naquela época.

Acabou entendendo que o HC concedido ao, então, Senador Rui Barbosa, é atual e deve ser aplicado ainda hoje. A concessão da ordem de habeas corpus mostra-se, atual, e relevante. O ex-Min. Aleomar Baleeiro também foi lembrado pelo Min. Celso de Mello.

É... viva a Bahia! Rui Barbosa discutiu no bairro da Graça, em Salvador, após desembarcar de barco. Isso em 1.919 em homenagem ao direito reunião e de expressão (observe-se que a reunião deve ser pacífica).

É a regra do art. 5º, inc. XVI da CF/1988. Garantia já prevista na CF/1891. É LIBERDADE FUNDAMENTAL DAS PESSOAS CONTRA O ARBÍTRIO DO ESTADO. O direito de reunião é um direito meio a propiciar a manifestação das idéias – manifestação de pensamento.

O Direito Fundamental de reunião proclama que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais públicos, independente de autorização, sendo exigido apenas o prévio aviso (e não requerimento) à autoridade competente. É necessário frisar que a CF/1998 não admite armas... Sendo assim se alguém comparecer armado a reunião de todos não deve ser frustrada, posto que, a polícia, deve, nesse caso agir somente contra quem desrespeita a norma constitucional, perdendo assim o seu direito, não podendo atingir o direito dos demais.

Sistemas autocráticos é que não toleram a liberdade de reunião (direito de reunião). Excetua-se, apenas, o que se chama de “direito de crise” – estado de defesa ou estado de sítio. Em momentos de normalidade o impedimento é inadmissível. E impõe-se ao Estado a necessidade de auxiliar na realização da manifestação pública. O Estado deve, inclusive, proteger os manifestantes para garantir a liberdade de reunião. Não podendo interferir na manifestação popular. Não pode o Estado ou a polícia interferir na manifestação quando esta for pacífica.

É dever dos organismos policiais adotar medidas de proteção aos participantes da reunião e protegendo-os dos opositores. Não é dever da polícia aprovar ou não a manifestação. A garantia do dissenso deve ser respeitada mesmo quando contrário à política de governo. É comportamento juridicamente protegido na Carta da República. A lógica do sistema democrático é a minoria ter a probabilidade (possibilidade) de tornar-se maioria da sociedade. O dissenso é bem jurídico que pode ser protegido e deve sim, ser protegido, inclusive, quando vai à praça pública, em reunião pacífica se manifestar e, mesmo, quando representa o chamado “direito das minorias” contra excessos da maioria.

A eficácia de direitos fundamentais não pode ser suprimida pela posição da maioria em detrimento dos grupos minoritários. O princípio majoritário não pode legitimar a aniquilação do direito de reunião, petição ou de livre associação e manifestação, inclusive, em reuniões públicas. O Estado não pode condicionar opiniões impedindo a veiculação de idéia de minorias.

O Min. Celso de Mello afirma que o litígio constitucional está voltado no entendimento do art. 287 do Código Penal, eis que, existem decisões que repelem o direito de manifestação, que consideram a reunião pública (passeata, “marcha da maconha” v.g. entre outras) como apologia às drogas. Há, portanto, decisões em ambos os sentidos. Algumas reprimindo e outras tentando adaptá-las ao preceito constitucional.

A “marcha da maconha” é, nesse sentido, então, lícita porque não está fazendo apologia a utilização de “drogas” na visão do Min. Celso de Mello. Neste contexto é direito (de reunião e de manifestação do pensamento) e deve ser protegida pelo Estado. Quem participa da “marcha da maconha” está, em verdade, exercendo o seu direito de manifestação pacífica e buscando uma alteração das atuais políticas públicas. É um movimento social, cultural e político. Não é um movimento de incentivo a legalização de “drogas” em geral, apenas da maconha. É movimento social espontâneo e democrático que busca a alteração das políticas públicas de repressão à mesma.

A liberdade de expressão é uma projeção do direito de manifestação, sem repressão estatal, que deve ser preservada pelo Poder Judiciário. O bem jurídico é a plena expressão das idéias. O exercício do direito de reunião (como meio) deve ser preservado para o exercício do direito de manifestação (como fim). O direito de falar, pensar e escrever representa o mais precioso privilégio dos cidadãos. Sofrendo, apenas, limitação de aspecto ético. A liberdade de manifestação do pensamento destina-se a proteger qualquer pessoa. Não cabendo qualquer tipo de restrição pelo aparelho Estatal. Assim o art. 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme a Constituição. Defender a descriminalização (significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas) não é fazer apologia e sim fazer exercício ao lícito direito de manifestação. O Min. Celso de Mello lembrou o caso da banda Planet Hemp classificando-a como absurda. Lembrou a supressão do delito de adultério e as públicas manifestações nesse sentido. Também entendeu lícita a conduta do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso que escrevendo na mídia, neste ano, no mês de janeiro, defendeu a descriminização da maconha.

Na conclusão: observou que a liberdade de expressão é garantia constitucional e deve ser protegida pelo Estado. O pensamento e a exteriorização do mesmo não pode sofrer indevidas restrições sob o manto da apologia a fato criminoso. Assim a defesa de liberação da maconha em espaço público ou privado é lícita manifestação da reunião e do pensamento. Julgou procedente a ação para dar ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme à Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que passe a criminalizar como apologia ao crime a reunião pública em defesa da manifestação da descriminização da maconha.