Ainda mais corriqueiro e ilegal é o condicionamento da religação ou continuidade do fornecimento de água com o pagamento de dívida pretérita e de terceiros.
Essas são praticas abusivas do fornecedor dos serviços de água, que tenta impingir uma obrigação decorrente de uma relação pessoal, de consumo, contra quem não contratou e dos serviços não tirou proveito.
A jurisprudência maciça é no sentido de "o débito tanto de água como de energia elétrica é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. A obrigação não é propter rem", de modo que não pode o ora recorrido ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de água utilizado por outras pessoas." (STJ, (REsp 890572, Rel. Min. Herman Benjamin, Data da Publicação 13/04/2010, REsp 1267302/SP, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado 08/11/2011).
Portanto, se você estiver sendo cobrado por consumo de água que não lhe diz respeito, não hesite em reclamar, exija seus direitos.
Para ilustrar, segue uma sentença bastante completa a respeito da ilegalidade de cobrança de conta de consumo de água contra quem não a consumiu.
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Processo: 0018211-46.2012.8.26.0008
Classe: Procedimento Sumário
Área: Cível
Assunto: Fornecimento de Água
Distribuição: Livre - 25/09/2012 às 17:07
5ª Vara Cível - Foro Regional VIII - Tatuapé
Reqte: Antonio Sorvillo
Advogado: Cassio Wasser Gonçales
Advogado: Fabio Fernando de Oliveira Belinassi
Reqdo: Sabesp Companhia de Saneamento Basico do
Estado de São Paulo
Advogada: Rosa Maria Camilo de Lira Gasperini
VISTOS. Trata-se de ação declaratória de
inexigibilidade de débito pretérito de água com pedido de liminar, proposta por
ANTONIO SORVILLO em face de COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO - SABESP, alegando, em síntese, que é proprietário do imóvel situado na
Rua Serra de Bragança, nº 554, Tatuapé, São Paulo-Capital, que esteve alugado
para Abel Marcos Castro e outros no período de 16/08/2007 a 22/08/2012,
mediante contrato de locação escrito, sendo que retomada a posse do imóvel apenas
em 22/08/2012, através de regular ação de despejo, tomou conhecimento da
existência de débitos de água no período de 08/09/2011 a 07/03/2012, no valor
de R$ 12.703,82, cujo pagamento lhe foi exigido pela ré, sob pena de corte no
fornecimento de água e esgoto. Diz que tal prática é abusiva, porque o débito é
pretérito e a obrigação é pessoal e não de natureza propter rem, razão pela
qual requer, em caráter liminar, seja mantida a continuidade do fornecimento de
água ao imóvel, providência esta a ser tornada definitiva no mérito, com
declaração de inexigibilidade do débito relativo ao período de 16/08/2007 a
22/08/2012.
Deferida a liminar pretendida, a ré foi citada e
ofereceu contestação, alegando, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do
pedido, ante a ausência do direito ao fornecimento sem contraprestação. No
mérito, sustentou a improcedência, ao argumento de que o autor não negou a
existência das dívidas em aberto; que a natureza das contas de água é propter
rem, o que indica sua vinculação ao imóvel e não à pessoa que o ocupa, razão
pela qual sem o pagamento da dívida tarifária incidente sobre o imóvel, não há
possibilidade de ser mantido o fornecimento de água; que existe solidariedade
prevista no artigo 19, parágrafo 2º do Decreto Estadual nº 41.446/96; e que a
interrupção do fornecimento de água se fez possível conforme permissivo legal.
Registre-se réplica, oportunidade em que o autor
requereu a aplicação de pena por litigância de má-fé.
As partes não manifestaram interesse na produção de
outras provas e designação de audiência de tentativa de conciliação.
É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
O caso é de julgamento imediato, na forma do artigo
330, inciso I do Código de Processo Civil, pois não há controvérsia sobre a
matéria de fato.
Debate-se, isto sim, sobre a responsabilidade e sua
extensão, do proprietário de imóvel servido pelo fornecimento de água, frente
às dívidas deixadas pelo locatário.
Respeitada convicção em contrário, inclusive já
defendida outrora, e abraçada por não poucas decisões, penso que o dever de
pagamento de débitos de consumo de água e energia elétrica constitui obrigação
pessoal do consumidor que efetivamente se beneficiou dos serviços prestados.
Isto porque, trata-se de obrigação de caráter
pessoal e não propter rem. O vínculo que se estabelece é entre a empresa
responsável pelo fornecimento de água e coleta de esgoto e o consumidor, pois é
este quem se beneficia do serviço prestado. Assim, a responsabilidade pela
unidade consumidora e a obrigação de pagar a respectiva tarifa só podem ser
atribuídas ao consumidor do serviço.
Com efeito, do v. acórdão relatado pelo ilustre
Des. GOMES VARJÃO do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, extrai-se que "As
obrigações reais são aquelas que nascem em razão da condição de titular do
domínio, independentemente da vontade das partes, o que implica dizer que a
perda de tal qualidade faz desaparecer a obrigação. Não é essa a característica
que se vislumbra na obrigação de que ora se trata, uma vez que ela nasce com o
contrato e ulterior utilização do serviço e não desaparece simplesmente pela
perda ou renúncia ao correspondente direito real" (Apelação sem
Revisão nº 992.06.009860-0).
Não se desconhecendo a polêmica sobre a matéria,
como já dito, tem-se que o melhor entendimento é este, principalmente porque,
em se tratando de relação consumerista, é preciso que o consumidor tenha fruído
concretamente do serviço, o que não ocorreria em se considerando a
possibilidade de cobrança tarifária do titular do domínio, quando locado o imóvel
a terceiros, como no caso.
Nesse sentido é a jurisprudência:
"PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS. FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO. OBRIGAÇÃO PESSOAL E NAO
"PROPTER REM" 1- A obrigação decorrente dos serviços de fornecimento
de água é pessoal e não "propter rem". Precedentes. 2- Não comprovada
a responsabilidade dos ocupantes ou proprietários do imóvel pelo consumo dos
serviços prestados pela fornecedora de água, não são eles responsáveis pelo
pagamento desses serviços. 3- Apelação provida." (TJSP, Apelação n° 990.09.341560-7,
18ª Câmara de Direito Privado, Rel. Alexandre Lazzarini, j. 23/03/2010).
"Prestação de serviços
de fornecimento de água e coleta de esgotos. Ação de Obrigação de fazer.
Obrigação que não é "propter rem". Responsabilidade pessoal. Dívida
anterior à ocupação do imóvel. Recurso desprovido." (TJSP, Apelação n°
992.08.064193-7, 36ª Câmara de Direito Privado, Rel. Pedro Baccarat, J.
22/04/2010).
"AÇÃO DE COBRANÇA -
ILEGITIMIDADE PASSIVA - Serviços de água e esgoto - Cobrança - Recurso que
objetiva a anulação de sentença que reconheceu o detentor do domínio do imóvel
como parte ilegítima para figurar no polo passivo em demanda com pedido de
cobrança por débito oriundo dos serviços de distribuição de água e captação de
esgotos fornecidos ao antigo usuário - Descabimento - Hipótese em que se trata
de obrigação pessoal - Cobrança que deve ser feita ao usuário anterior do
serviço, em se tratando de débito pretérito relativo ao consumo de água por ele
deixado - RECURSO DESPROVIDO." (TJSP, Apelação n° 990.10.428138-5, Rel.
Ana de Lourdes Coutinho Silva, 13ª Câmara de Direito Privado, J.09/12/2010).
"COBRANÇA - Consumo de
água - Obrigação que não se configura propter rem - documentação fornecida pela
autora que indica que terceiros, por usufruto, estavam no gozo da coisa no
tempo do fornecimento - Inexistência de prova de autoria em expediente
fraudulento consistente no consumo irregular de água - Prática de delito que
não eqüivale à expressão "débitos de faturas/contas não quitadas"
prevista no § 2°, do art. 19 do Decreto Estadual n. 41.446 Inexigibilidade da
cobrança contra a requerida - Decisão mantida." (TJSP, Apelação n°
991.07.025935-5, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel. Ricardo Negrão,
J.30/11/2010).
"PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO - AÇÃO DE COBRANÇA - PRESCRIÇÃO NÃO
VERIFICADA - LEGITIMIDADE PASSIVA - TEORIA DA ASSERÇÃO - OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO
DAS TARIFAS QUE NÃO TEM NATUREZA 'PROPTER REM". POR SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO
PESSOAL DO CONSUMIDOR. FUNDADA NO EFETIVO CONSUMO - VINCULO OBRIGACIONAL
ESTABELECIDO ENTRE CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO E CONSUMIDOR - CARACTERIZAÇÃO DO
CONSUMO DOS SERVIÇOS POR PARTE DA RÉ - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE SENTENÇA
CONFIRMADA - Recurso desprovido." (TJSP, Apelação n° 992.08.049518-3, Rel.
Edgard Rosa, 30* Câmara de Direito Privado, J. 19/01/2011).
"Ação declaratória de
inexigibilidade de dívida de água e esgoto, contraída pelo inquilino, proposta
pelo proprietário do imóvel julgada procedente - Recurso da prestadora de
serviço fundado na alegação de natureza "propter rem" da obrigação -
Sentença confirmada - A obrigação de pagar pelo consumo de água e esgoto é de
natureza pessoal e obriga aquele que contratou e fez uso dos serviços"
(TJSP, Apelação com revisão nº 1.108.053-00/2, 35ª Câmara, Rel. Carlos Alberto
Garbi, J. 25.02.08)
Outrossim, inexiste solidariedade entre ocupante e
proprietário do imóvel, posto que esta não se presume, e não poderia ser criada
pelo Decreto nº 41.446/96, haja vista a competência exclusiva da União para
legislar sobre a matéria, nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição
Federal.
Assim também já se decidiu:
"COBRANÇA - Prestação
de serviços de fornecimento de égua não configura obrigação propter rem mas
obrigação pessoal, motivo pelo qual é o usuário e não o proprietário do imóvel
quem responde pelos débitos - Inexistência de solidariedade entre o locador e o
locatário - Inaplicabilidade do artigo 19, §2º, do Decreto Estadual n°
41.446/96 - Competência para legislar sobre direito civil é exclusiva da União
Por ser obrigação de caráter pessoal, a divida decorrente do contrato de
prestação de serviços de égua e esgoto só vincula a concessionária e o usuário
que contratou e utilizou a água - Recurso não provido." (TJSP, Apelação n°
990.10.002480-9, 17ª Câmara de Direito Privado, Rel. Tersio Negrato, J.
17/03/2010).
A partir daí, há de ser reconhecida a
inexigibilidade da dívida frente ao autor, proprietário que é do imóvel, mas
que na época não o ocupava e não consumiu os serviços, uma vez que estes foram
prestados em favor do locatário.
De outra banda, não há dúvidas de que a negativa de
fornecimento de água ao autor constitui ato ilegal e arbitrário.
É incontroverso que os serviços em foco estabelecem
evidente relação de consumo entre a empresa concessionária e o usuário/consumidor,
sujeita às regras da legislação consumerista, como já dito.
A ré, seguramente, encaixa-se no conceito de
fornecedora na forma do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, ao passo
que o autor, na qualidade de proprietário do imóvel atingido pelo ato ilegal, é
tido, nos exatos termos do artigo 2º, como consumidor.
Outrossim, é induvidoso que o serviço em questão é
essencial à vida do homem em sociedade.
Assim sendo, não se questiona que tal qualidade
abrange o serviço de fornecimento de água, porquanto é serviço imprescindível
para o desempenho de múltiplas funções e atividades pelo homem em sociedade,
revelando-se elemento de vital importância para o ser humano, motivo pelo qual
confere concretude ao dispositivo constitucional que torna inviolável o direito
à vida de qualquer pessoa residente neste país (artigo 5º caput da Constituição
Federal).
Por isso, na atual conjuntura econômica, o atributo
da essencialidade é inerente não só aos serviços públicos propriamente ditos -
indelegáveis por sua natureza, mas também aos serviços de utilidade pública,
abarcando, por conseguinte, os serviços pró-comunidade e os serviços
pró-cidadão, conforme classificação de Hely Lopes Meirelles.
Dentro desse contexto, não há como negar que os
serviços objeto desse feito devem ser fornecidos de forma contínua, vale dizer,
de modo permanente, sem interrupção, conforme mandamento extraído do artigo 22
do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "os órgãos públicos, por si
ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma
de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes,
seguros e, quanto aos essenciais, contínuos".
Portanto, apenas a eclosão de caso fortuito ou
força maior autoriza a não prestação do serviço ou sua paralisação, não sendo
admitido que a empresa concessionária, no exercício de odiosa justiça privada,
adotando atitude incompatível com o Estado de Direito, crie descontinuidade,
para forçar o pagamento de um débito que não é de responsabilidade do autor.
A negativa de fornecimento de água por parte da ré
constitui forma de coação para obrigar o consumidor pagar dívida que não lhe
compete, o que é inadmissível, por impor inaceitável pressão psicológica. Além
disso, o exercício da autotutela pela empresa concessionária distancia-se da
harmonização preconizada pela lei, ficando aquém do patamar mínimo de boa-fé,
razão pela qual não pode ser admitida.
Por isso, a tutela antecipada deve ser convertida
em definitiva, a fim de se manter e impedir a suspensão do fornecimento de água
no imóvel do autor em razão do não pagamento do débito ora reconhecido.
Por derradeiro, deixo de condenar a parte ré nas
penas da litigância de má-fé, tal como requerido pelo autor, por não vislumbrar
qualquer comportamento a ser repreendido de forma tão severa e que encontre
respaldo no artigo 17 do Código de Processo Civil.
Ante todo o exposto, e o mais que dos autos consta,
JULGO PROCEDENTE a presente ação, e assim o faço para o fim de determinar à ré
seja mantida a continuidade do fornecimento de água ao imóvel de propriedade do
autor, vedada interrupção pelo não pagamento do débito pretérito, relativo ao
período de 16/08/2007 a 22/08/2012, que reconheço como inexigível frente ao
autor, tornando, assim, definitiva a tutela antecipada outrora concedida.
Em decorrência da sucumbência, condeno a parte ré a
arcar com o pagamento da totalidade das custas e despesas processuais, bem como
com os honorários advocatícios da parte contrária, que ora arbitro em 10% sobre
o valor da causa atualizado.
P.R.I.
O valor das custas de preparo de recurso no
presente feito é de R$ 267,67 e porte de remessa R$ 25,00.
São Paulo, 28 de fevereiro de 2013.
ANA CAROLINA
VAZ PACHECO DE CASTRO
JUÍZA DE
DIREITO
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