Blog Wasser Advogados: Ilegalidade da cobrança de tarifa minima com base no nº de economias em condominios com um único hidrômetro, sem considerar o efetivo consumo de água

quinta-feira, 21 de março de 2013

Ilegalidade da cobrança de tarifa minima com base no nº de economias em condominios com um único hidrômetro, sem considerar o efetivo consumo de água


RECURSO ESPECIAL Nº 982.938 - RJ (2007⁄0207720-9)
RECORRENTE: COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS CEDAE
RECORRIDO: CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO PALÁCIO DAS INDÚSTRIAS


RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto pela Companhia Estadual de Águas e Esgoto - CEDAE, com base  o art. 105, III, letras "a" e "c", da Constituição da República, com objetivo de reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cujos fundamentos encontram-se  sintetizados por meio da seguinte ementa:

Apelação - Ação ordinária, CEDAE, fornecimento de água à condomínio de edifício comercial - Forma de cobrança - Tarifa mínima por unidade imobiliária - Impossibilidade - Hidrômetro - Ilegal a cobrança da tarifa mínima multiplicada pelo número de economias - art. 42 do Código de Defesa do Consumidor - Desprovimento do recurso.
(fl. 252)

Opostos embargos de declaração a Corte de origem houve por bem rejeita-los.
No recurso especial o CEDAE argumenta, em síntese, que:
a) a rejeição dos embargos de declaração revela que a prestação jurisdicional não foi dada em sua plenitude, de modo a configurar a afronta aos arts. 165, 458 e 535, todos  do CPC;
b) a cobrança pela tarifa mínima multiplicada pelo número de economias é legal, advertindo que foi instituída pelo Decreto Federal 82.587⁄78, que regulamenta a Lei nº 6.528⁄78;
c) para configurar a cobrança em dobro do valor excessivamente pago, a teor do parágrafo único do art. 42 do CDC, se faz necessário que configure ato ilícito, ou seja, que a cobrança seja praticada com dolo ou culpa, situação que não teria ocorrido nos autos.
Apresentadas as contra-razões, subiram os autos por força do juízo positivo de admissibilidade.
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 982.938 - RJ (2007⁄0207720-9)

EMENTA

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - . FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO CONDOMÍNIO EDILÍCIO - MULTIPLICAÇÃO DO CONSUMO MÍNIMO PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (ECONOMIAS) - IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO VALOR COBRADO, COM BASE NO CDC - POSSIBILIDADE.
1. A prestação jurisdicional foi dada em sua plenitude, sendo examinados os pontos agitados pela parte recorrente, ficando afastada a afronta aos arts. 165, 458 e 535, todos  do CPC.
2 A Segunda Turma, pacificou o entendimento segundo o qual nos condomínios em que o total de água consumida é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança de tarifa mínima com base no número de economias, sem considerar o efetivo consumo de água (REsp 726582⁄RJ, Rel. p⁄ Acórdão Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 15⁄09⁄2009, DJe 28⁄10⁄2009).
3. Direito à devolução em dobro reconhecido com base no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
4. Recurso Especial não provido.

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): De início, cumpre examinar se a rejeição dos embargos de declaração revela a afronta aos arts. 165, 458 e 535, todos  do CPC.
A parte recorrente sustentou em seus embargos de declaração que a Corte de origem foi omissa quanto a "inépcia da inicial, a decadência⁄prescrição e a ausência dos requisitos autorizadores para a concessão dos efeitos da tutela" (fl. 260).
Nas razões de apelação (cf. fls. 205⁄209) , observa-se que foram impugnados os seguintes pontos:
1) inépcia da inicial, tendo em vista a necessidade de pedido certo e determinado;
2) decadência⁄prescrição para o consumidor reclamar do fornecimento do serviço;
3) ausência do preenchimento dos requisitos autorizadores para a concessão da antecipação de tutela, prevista  teria ocorrido, pois não foram observados os requisitos do art. 273 do CPC.
Colhe-se do acórdão que efetivamente foram apreciadas as questões agitadas, conforme se vê da fl. 253:

..., a petição inicial satisfaz a todos os requisitos previstos nos arts. 282 a 286 do Código de Processo Civil.
Tratam os autos de relação jurídica continuada, na qual o prazo decadencial para reclamar vícios na prestação dos serviços se renova a cada mês.
Assim sendo, rejeitam-se as preliminares do recurso"

À evidência que não se verifica uma prestação jurisdicional deficiente, mas, ao contrário, foi dada em sua plenitude e, por certo, contrária à tese defendida pela recorrente. Aliás, em relação ao art. 273 do CPC não resta dúvida que o acórdão da apelação chancelou a sentença nesse ponto, na medida em que afastou qualquer vício de cerceamento de defesa e afronta a qualquer dispositivo. Colocada a questão nestes termos, cumpre examinar se é legal a cobrança de tarifa mínima pelo número de economias e não por unidade de hidrômetro. Observo que sempre compartilhei, em harmonia com a jurisprudência da Primeira Seção, do entendimento de que é legal a cobrança da taxa de água pela tarifa mínima, mesmo que haja hidrômetro que registre consumo inferior àquele. Confira-se, a propósito os precedentes abaixo:

ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. TAXA DE ÁGUA. COBRANÇA DE TARIFA PELO CONSUMO MÍNIMO. LEGALIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. É lícita a cobrança da taxa de água pela tarifa mínima, mesmo que haja hidrômetro que registre consumo inferior àquele. Inteligência das disposições legais que regulam a fixação tarifária (artigo 4º, da Lei 6.528⁄78 e artigos 11 caput, 11, § 2º e 32 do Decreto nº 82.587⁄78). Recurso provido. (REsp 416.383, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, unânime, julgado em 27⁄8⁄2002, DJ 23⁄9⁄2002, pág. 254)

DIREITO ADMINISTRATIVO – POLÍTICA TARIFÁRIA NO FORNECIMENTO DE ÁGUA – COLOCAÇÃO DE HIDRÔMETROS – PRECEDENTES DO STJ.
1. A política de tarifação dos serviços públicos concedidos, prevista na CF (art. 175), foi estabelecida pela Lei 8.987⁄95, com escalonamento na tarifação, de modo a pagar menos pelo serviço o consumidor com menor gasto, em nome da política das ações afirmativas, devidamente chanceladas pelo Judiciário (precedentes desta Corte).
2. Acórdão recorrido que, distanciando-se da lei, condena o valor do consumo mínimo estabelecido pela política nacional de tarifas.
3. A Lei 8.987⁄95, como o Decreto 82.587⁄78, revogado em 1991 pelo Decreto 5, deu continuidade à prática do escalonamento de preços.
4. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 759.362⁄RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.06.2006, DJ 29.06.2006 p. 184)

Ocorre, porém, que em 15 de setembro do corrente ano, quando do julgamento do REsp nº 726.582-RJ, a Segunda Turma, por maioria de votos, houve por bem rever o entendimento anteriormente firmado e estabelecer que nos condomínios em que o consumo total de água é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança de tarifa mínima de água com base no número de economias, sem considerar o consumo efetivamente registrado.
Para melhor visualizar essa afirmação, merece ser trazido à colação o referido precedente:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. MULTIPLICAÇÃO DO CONSUMO MÍNIMO PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (ECONOMIAS). IMPOSSIBILIDADE.
1. O STJ pacificou o entendimento de que, nos condomínios em que o consumo total de água é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança de tarifa mínima de água com base no número de economias, sem considerar o consumo efetivamente registrado.
2. Recurso Especial não provido.
(REsp 726582⁄RJ, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, Rel. p⁄ Acórdão Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15⁄09⁄2009, DJe 28⁄10⁄2009)

O referido julgado se posicionou na linha de entendimento adotado pela Primeira Turma, conforme o precedente abaixo reproduzido:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM ANULAÇÃO DE COBRANÇA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO COMERCIAL. TARIFA MÍNIMA. LEGALIDADE (LEI 6.528⁄78, ART. 4º; LEI 11.445⁄2007, ART. 30). MULTIPLICAÇÃO DO CONSUMO MÍNIMO PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (SALAS COMERCIAIS). IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 39, V e X, do CDC, E 6º, § 1º, DA LEI 8.987⁄95. RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE.
(...)
4. Nos condomínios edilícios comerciais e⁄ou residenciais, onde o consumo total de água é medido por um único hidrômetro, a fornecedora não pode multiplicar o consumo mínimo pelo número de unidades autônomas, devendo ser observado, no faturamento do serviço, o volume real aferido.
5. O cálculo da CEDAE desconsidera a ratio legis subjacente à finalidade da tarifa mínima, instituída no escopo de se assegurar a viabilidade econômico-financeira do sistema, e não para proporcionar lucros abusivos à custa dos usuários.
6. São direitos básicos do consumidor a proteção contra práticas abusivas no fornecimento de serviços e a efetiva prevenção⁄reparação de danos patrimoniais (CDC, art. 6º, IV e VI), sendo vedado ao fornecedor condicionar o fornecimento de serviço, sem justa causa, a limites quantitativos, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, bem como elevar sem justa causa o preço de serviços (CDC, art. 39, I, V e X).
7. Os usuários têm direito ao serviço público adequado, assim entendido aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (Lei 8.987⁄95, arts. 6º, § 1º, e 7º, I).
8. A remuneração pelo fornecimento de água e esgotamento sanitário não tem natureza jurídica tributária (taxa), mas constitui tarifa cujo valor deve guardar relação de proporcionalidade com o serviço efetivamente prestado, sob pena de enriquecimento sem causa.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, apenas para se determinar a restituição simples dos valores indevidamente recolhidos pela CEDAE, acrescidos de juros moratórios legais e correção monetária.
(grifos não originais - REsp 655130⁄RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03⁄05⁄2007, DJ 28⁄05⁄2007 p. 287)

Com base nos precedentes acima reproduzidos, percebe-se que os argumentos expendidos pela parte recorrente não merecem prosperar, na medida em que estabelece a relação entre a concessionária de serviço público e seus usuários, à luz do Código de Defesa do Consumidor.
A propósito, no que se refere à suposta afronta ao parágrafo único do art. 42 do CDC, observo que já houve pronunciamento desta Corte Superior de Justiça no sentido de que basta a culpa daquele que cobrou em demasia a prestação do serviço, a qual pode ser afastada somente na hipótese de engano justificável. Confira-se o precedente desta Corte Superior de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA - PIS⁄COFINS - REPASSE AO CONSUMIDOR NA FATURA TELEFÔNICA - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA ANATEL - TESE ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE ERRO NO PAGAMENTO: AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - ABUSIVIDADE DA COBRANÇA RECONHECIDA POR ESTA CORTE - DEVOLUÇÃO EM DOBRO - POSSIBILIDADE.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. Prevalece no STJ o entendimento de que a ANATEL não tem legitimidade passiva para responder pela cobrança indevida de valores levada a efeito pelas empresas de telefonia na conta telefônica.
3. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento.
4. A Segunda Turma desta Corte firmou entendimento no sentido da ilegalidade do repasse do PIS e da COFINS na fatura telefônica, bem como acerca da má-fé das empresas de telefonia e, por consequência, da abusividade dessa conduta.
5. Direito à devolução em dobro reconhecido com base no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.
(grifos não originais - REsp 910.784⁄RJ, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04⁄06⁄2009, DJe 23⁄06⁄2009)

RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.078⁄90. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.  AÇÃO DE NATUREZA CONDENATÓRIA. INCIDÊNCIA SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. ART. 20, § 3º, DO CPC.
I - O Tribunal a quo afastou a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC, que determina a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamentes nas relações de consumo, pela ausência de dolo (má-fé) do fornecedor. Entretanto, basta a culpa para a incidência de referido dispositivo, que só é afastado mediante a ocorrência de engano justificável por parte do fornecedor.
II - No circunlóquio fático delimitado pelo acórdão recorrido, ressai a não-demonstração, por parte da recorrida, da existência de engano justificável, tornando-se aplicável o disposto no artigo 42, parágrafo único, da Lei 8.078⁄90. Precedentes: REsp nº 1.025.472⁄SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe de 30⁄04⁄2008; AgRg no Ag nº 777.344⁄RJ, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 23⁄04⁄2007;  REsp nº 263.229⁄SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 09⁄04⁄2001.
III - Havendo condenação, os honorários advocatícios devem ser fixados sobre o valor da condenação, nos termos do que dispõe o art. 20, § 3º, do CPC . Precedentes: REsp nº 874.681⁄BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe de 12⁄06⁄2008; AgRg no Ag nº 516.249⁄PR, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 28⁄06⁄2004; AgRg no REsp nº 665.107⁄SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 14⁄03⁄2005.
IV - Recurso especial conhecido e provido.
(grifos não originais - REsp 1085947⁄SP, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04⁄11⁄2008, DJe 12⁄11⁄2008)

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.

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