Blog Wasser Advogados: FORNECIMENTO DE AGUA - Ilegalidade da suspensão e cobrança de consumo contra quem não a consumiu

quarta-feira, 6 de março de 2013

FORNECIMENTO DE AGUA - Ilegalidade da suspensão e cobrança de consumo contra quem não a consumiu

Fato corriqueiro é a cobrança indevida de consumo de água e o corte de fornecimento, contra quem não consumiu. Assim tem ocorrido contra o comprador do imóvel, com relação a dívida de água deixada pelos vendedores, contra o locador do imóvel pelas dívidas do locatário, contra novo ocupante do imóvel.. e por ai afora.

Ainda mais corriqueiro e ilegal é o condicionamento da religação ou continuidade do fornecimento de água com o pagamento de dívida pretérita e de terceiros.

Essas são praticas abusivas do fornecedor dos serviços de água, que tenta impingir uma obrigação decorrente de  uma relação pessoal, de consumo, contra quem não contratou e dos serviços não tirou proveito.

A jurisprudência maciça é no sentido de "o débito tanto de água como de energia elétrica é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel. A obrigação não é propter rem", de modo que não pode o ora recorrido ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de água utilizado por outras pessoas."  (STJ, (REsp 890572, Rel. Min. Herman Benjamin, Data da Publicação 13/04/2010, REsp 1267302/SP, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado 08/11/2011).

Portanto, se você estiver sendo cobrado por consumo de água que não lhe diz respeito, não hesite em reclamar, exija seus direitos.

Para ilustrar, segue uma sentença bastante completa a respeito da ilegalidade de cobrança de conta de consumo de água contra quem não a consumiu.

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Processo: 0018211-46.2012.8.26.0008
Classe: Procedimento Sumário
Área: Cível
Assunto: Fornecimento de Água
Distribuição: Livre - 25/09/2012 às 17:07
5ª Vara Cível - Foro Regional VIII - Tatuapé

Reqte:  Antonio Sorvillo
Advogado: Cassio Wasser Gonçales 
Advogado: Fabio Fernando de Oliveira Belinassi

Reqdo:  Sabesp Companhia de Saneamento Basico do Estado de São Paulo
Advogada: Rosa Maria Camilo de Lira Gasperini

VISTOS. Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito pretérito de água com pedido de liminar, proposta por ANTONIO SORVILLO em face de COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP, alegando, em síntese, que é proprietário do imóvel situado na Rua Serra de Bragança, nº 554, Tatuapé, São Paulo-Capital, que esteve alugado para Abel Marcos Castro e outros no período de 16/08/2007 a 22/08/2012, mediante contrato de locação escrito, sendo que retomada a posse do imóvel apenas em 22/08/2012, através de regular ação de despejo, tomou conhecimento da existência de débitos de água no período de 08/09/2011 a 07/03/2012, no valor de R$ 12.703,82, cujo pagamento lhe foi exigido pela ré, sob pena de corte no fornecimento de água e esgoto. Diz que tal prática é abusiva, porque o débito é pretérito e a obrigação é pessoal e não de natureza propter rem, razão pela qual requer, em caráter liminar, seja mantida a continuidade do fornecimento de água ao imóvel, providência esta a ser tornada definitiva no mérito, com declaração de inexigibilidade do débito relativo ao período de 16/08/2007 a 22/08/2012.

Deferida a liminar pretendida, a ré foi citada e ofereceu contestação, alegando, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, ante a ausência do direito ao fornecimento sem contraprestação. No mérito, sustentou a improcedência, ao argumento de que o autor não negou a existência das dívidas em aberto; que a natureza das contas de água é propter rem, o que indica sua vinculação ao imóvel e não à pessoa que o ocupa, razão pela qual sem o pagamento da dívida tarifária incidente sobre o imóvel, não há possibilidade de ser mantido o fornecimento de água; que existe solidariedade prevista no artigo 19, parágrafo 2º do Decreto Estadual nº 41.446/96; e que a interrupção do fornecimento de água se fez possível conforme permissivo legal.

Registre-se réplica, oportunidade em que o autor requereu a aplicação de pena por litigância de má-fé.

As partes não manifestaram interesse na produção de outras provas e designação de audiência de tentativa de conciliação.

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O caso é de julgamento imediato, na forma do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil, pois não há controvérsia sobre a matéria de fato.

Debate-se, isto sim, sobre a responsabilidade e sua extensão, do proprietário de imóvel servido pelo fornecimento de água, frente às dívidas deixadas pelo locatário.

Respeitada convicção em contrário, inclusive já defendida outrora, e abraçada por não poucas decisões, penso que o dever de pagamento de débitos de consumo de água e energia elétrica constitui obrigação pessoal do consumidor que efetivamente se beneficiou dos serviços prestados.

Isto porque, trata-se de obrigação de caráter pessoal e não propter rem. O vínculo que se estabelece é entre a empresa responsável pelo fornecimento de água e coleta de esgoto e o consumidor, pois é este quem se beneficia do serviço prestado. Assim, a responsabilidade pela unidade consumidora e a obrigação de pagar a respectiva tarifa só podem ser atribuídas ao consumidor do serviço.

Com efeito, do v. acórdão relatado pelo ilustre Des. GOMES VARJÃO do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, extrai-se que "As obrigações reais são aquelas que nascem em razão da condição de titular do domínio, independentemente da vontade das partes, o que implica dizer que a perda de tal qualidade faz desaparecer a obrigação. Não é essa a característica que se vislumbra na obrigação de que ora se trata, uma vez que ela nasce com o contrato e ulterior utilização do serviço e não desaparece simplesmente pela perda ou renúncia ao correspondente direito real" (Apelação sem Revisão nº 992.06.009860-0).

Não se desconhecendo a polêmica sobre a matéria, como já dito, tem-se que o melhor entendimento é este, principalmente porque, em se tratando de relação consumerista, é preciso que o consumidor tenha fruído concretamente do serviço, o que não ocorreria em se considerando a possibilidade de cobrança tarifária do titular do domínio, quando locado o imóvel a terceiros, como no caso.

Nesse sentido é a jurisprudência:

"PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO. OBRIGAÇÃO PESSOAL E NAO "PROPTER REM" 1- A obrigação decorrente dos serviços de fornecimento de água é pessoal e não "propter rem". Precedentes. 2- Não comprovada a responsabilidade dos ocupantes ou proprietários do imóvel pelo consumo dos serviços prestados pela fornecedora de água, não são eles responsáveis pelo pagamento desses serviços. 3- Apelação provida." (TJSP, Apelação n° 990.09.341560-7, 18ª Câmara de Direito Privado, Rel. Alexandre Lazzarini, j. 23/03/2010).

"Prestação de serviços de fornecimento de água e coleta de esgotos. Ação de Obrigação de fazer. Obrigação que não é "propter rem". Responsabilidade pessoal. Dívida anterior à ocupação do imóvel. Recurso desprovido." (TJSP, Apelação n° 992.08.064193-7, 36ª Câmara de Direito Privado, Rel. Pedro Baccarat, J. 22/04/2010).

"AÇÃO DE COBRANÇA - ILEGITIMIDADE PASSIVA - Serviços de água e esgoto - Cobrança - Recurso que objetiva a anulação de sentença que reconheceu o detentor do domínio do imóvel como parte ilegítima para figurar no polo passivo em demanda com pedido de cobrança por débito oriundo dos serviços de distribuição de água e captação de esgotos fornecidos ao antigo usuário - Descabimento - Hipótese em que se trata de obrigação pessoal - Cobrança que deve ser feita ao usuário anterior do serviço, em se tratando de débito pretérito relativo ao consumo de água por ele deixado - RECURSO DESPROVIDO." (TJSP, Apelação n° 990.10.428138-5, Rel. Ana de Lourdes Coutinho Silva, 13ª Câmara de Direito Privado, J.09/12/2010).

"COBRANÇA - Consumo de água - Obrigação que não se configura propter rem - documentação fornecida pela autora que indica que terceiros, por usufruto, estavam no gozo da coisa no tempo do fornecimento - Inexistência de prova de autoria em expediente fraudulento consistente no consumo irregular de água - Prática de delito que não eqüivale à expressão "débitos de faturas/contas não quitadas" prevista no § 2°, do art. 19 do Decreto Estadual n. 41.446 Inexigibilidade da cobrança contra a requerida - Decisão mantida." (TJSP, Apelação n° 991.07.025935-5, 19ª Câmara de Direito Privado, Rel. Ricardo Negrão, J.30/11/2010).

"PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO - AÇÃO DE COBRANÇA - PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA - LEGITIMIDADE PASSIVA - TEORIA DA ASSERÇÃO - OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DAS TARIFAS QUE NÃO TEM NATUREZA 'PROPTER REM". POR SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO PESSOAL DO CONSUMIDOR. FUNDADA NO EFETIVO CONSUMO - VINCULO OBRIGACIONAL ESTABELECIDO ENTRE CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO E CONSUMIDOR - CARACTERIZAÇÃO DO CONSUMO DOS SERVIÇOS POR PARTE DA RÉ - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE SENTENÇA CONFIRMADA - Recurso desprovido." (TJSP, Apelação n° 992.08.049518-3, Rel. Edgard Rosa, 30* Câmara de Direito Privado, J. 19/01/2011).

"Ação declaratória de inexigibilidade de dívida de água e esgoto, contraída pelo inquilino, proposta pelo proprietário do imóvel julgada procedente - Recurso da prestadora de serviço fundado na alegação de natureza "propter rem" da obrigação - Sentença confirmada - A obrigação de pagar pelo consumo de água e esgoto é de natureza pessoal e obriga aquele que contratou e fez uso dos serviços" (TJSP, Apelação com revisão nº 1.108.053-00/2, 35ª Câmara, Rel. Carlos Alberto Garbi, J. 25.02.08)

Outrossim, inexiste solidariedade entre ocupante e proprietário do imóvel, posto que esta não se presume, e não poderia ser criada pelo Decreto nº 41.446/96, haja vista a competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria, nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.

Assim também já se decidiu:

"COBRANÇA - Prestação de serviços de fornecimento de égua não configura obrigação propter rem mas obrigação pessoal, motivo pelo qual é o usuário e não o proprietário do imóvel quem responde pelos débitos - Inexistência de solidariedade entre o locador e o locatário - Inaplicabilidade do artigo 19, §2º, do Decreto Estadual n° 41.446/96 - Competência para legislar sobre direito civil é exclusiva da União Por ser obrigação de caráter pessoal, a divida decorrente do contrato de prestação de serviços de égua e esgoto só vincula a concessionária e o usuário que contratou e utilizou a água - Recurso não provido." (TJSP, Apelação n° 990.10.002480-9, 17ª Câmara de Direito Privado, Rel. Tersio Negrato, J. 17/03/2010).

A partir daí, há de ser reconhecida a inexigibilidade da dívida frente ao autor, proprietário que é do imóvel, mas que na época não o ocupava e não consumiu os serviços, uma vez que estes foram prestados em favor do locatário.

De outra banda, não há dúvidas de que a negativa de fornecimento de água ao autor constitui ato ilegal e arbitrário.

É incontroverso que os serviços em foco estabelecem evidente relação de consumo entre a empresa concessionária e o usuário/consumidor, sujeita às regras da legislação consumerista, como já dito.

A ré, seguramente, encaixa-se no conceito de fornecedora na forma do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, ao passo que o autor, na qualidade de proprietário do imóvel atingido pelo ato ilegal, é tido, nos exatos termos do artigo 2º, como consumidor.

Outrossim, é induvidoso que o serviço em questão é essencial à vida do homem em sociedade.

Assim sendo, não se questiona que tal qualidade abrange o serviço de fornecimento de água, porquanto é serviço imprescindível para o desempenho de múltiplas funções e atividades pelo homem em sociedade, revelando-se elemento de vital importância para o ser humano, motivo pelo qual confere concretude ao dispositivo constitucional que torna inviolável o direito à vida de qualquer pessoa residente neste país (artigo 5º caput da Constituição Federal).

Por isso, na atual conjuntura econômica, o atributo da essencialidade é inerente não só aos serviços públicos propriamente ditos - indelegáveis por sua natureza, mas também aos serviços de utilidade pública, abarcando, por conseguinte, os serviços pró-comunidade e os serviços pró-cidadão, conforme classificação de Hely Lopes Meirelles.

Dentro desse contexto, não há como negar que os serviços objeto desse feito devem ser fornecidos de forma contínua, vale dizer, de modo permanente, sem interrupção, conforme mandamento extraído do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos".

Portanto, apenas a eclosão de caso fortuito ou força maior autoriza a não prestação do serviço ou sua paralisação, não sendo admitido que a empresa concessionária, no exercício de odiosa justiça privada, adotando atitude incompatível com o Estado de Direito, crie descontinuidade, para forçar o pagamento de um débito que não é de responsabilidade do autor.

A negativa de fornecimento de água por parte da ré constitui forma de coação para obrigar o consumidor pagar dívida que não lhe compete, o que é inadmissível, por impor inaceitável pressão psicológica. Além disso, o exercício da autotutela pela empresa concessionária distancia-se da harmonização preconizada pela lei, ficando aquém do patamar mínimo de boa-fé, razão pela qual não pode ser admitida.

Por isso, a tutela antecipada deve ser convertida em definitiva, a fim de se manter e impedir a suspensão do fornecimento de água no imóvel do autor em razão do não pagamento do débito ora reconhecido.

Por derradeiro, deixo de condenar a parte ré nas penas da litigância de má-fé, tal como requerido pelo autor, por não vislumbrar qualquer comportamento a ser repreendido de forma tão severa e que encontre respaldo no artigo 17 do Código de Processo Civil.

Ante todo o exposto, e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente ação, e assim o faço para o fim de determinar à ré seja mantida a continuidade do fornecimento de água ao imóvel de propriedade do autor, vedada interrupção pelo não pagamento do débito pretérito, relativo ao período de 16/08/2007 a 22/08/2012, que reconheço como inexigível frente ao autor, tornando, assim, definitiva a tutela antecipada outrora concedida.

Em decorrência da sucumbência, condeno a parte ré a arcar com o pagamento da totalidade das custas e despesas processuais, bem como com os honorários advocatícios da parte contrária, que ora arbitro em 10% sobre o valor da causa atualizado.

P.R.I.

O valor das custas de preparo de recurso no presente feito é de R$ 267,67 e porte de remessa R$ 25,00.

São Paulo, 28 de fevereiro de 2013.

ANA CAROLINA VAZ PACHECO DE CASTRO
JUÍZA DE DIREITO

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