Blog Wasser Advogados: STJ - Incorporação (Preço Custo) Incorporadora responsável pela devolução de valores

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

STJ - Incorporação (Preço Custo) Incorporadora responsável pela devolução de valores


Incorporação imobiliária a preço de custo – Legitimidade passiva da incorporadora, responsável por toda a administração do empreendimento, inclusive recebimento das parcelas pagas pelos condôminos – Devolução dos valores pagos por adquirente 

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Waldemar Ripani e outros

Recorrido: Maria Aparecida Reverte Navarro

Recorrido: José Riera Santander e outros

EMENTA

Civil e Processual Civil. Incorporação imobiliária. Construção sob o regime de administração (preço de custo). Devolução dos valores pagos por adquirente. Legitimidade passiva da incorporadora que restou responsável por toda a administração do empreendimento, inclusive pelo recebimento das parcelas pagas pelos condôminos.

1. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. O Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

2. A construção do imóvel sob o regime de administração (preço de custo), na forma do artigo 58 da Lei nº 4.591/64, é negócio coletivo, administrado pelos próprios condôminos, adquirentes de frações ideais do empreendimento, que, por meio de uma comissão de representantes, recebe, administra e investe os valores vertidos por todos, motivo pelo qual os riscos do empreendimento são de responsabilidade dos próprios adquirentes, sendo incabível, em regra, que a incorporadora figure no polo passivo da ação de devolução das parcelas pagas e administradas pelo condomínio.

3. Contudo, no caso ora em análise, embora exista a figura do condomínio, os valores devidos para a realização da construção eram pagos diretamente ao alienante das frações ideais, o qual se confunde com os incorporadores, restando ao condomínio, somente, a fiscalização das obras realizadas, razão pela qual não há falar em carência da ação, respondendo os réus, em tese, pela devolução dos valores pagos e pelos eventuais danos decorrentes do alegado inadimplemento da obrigação.

4. Recurso especial conhecido em parte, e, nesta parte, provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília (DF), 16 de março de 2010(Data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Cuida-se de ação de reparação de danos ajuizada por Waldemar Ripani, sua esposa, Benedita da Silva Ripani, Armando Salum Abdalla, sua esposa, Rosana Josefina Attivo Salum Abdalla, e Lourdes Maldonado em face de José Riera Santander e sua esposa, Maria Meybe Pimenta Riera, e Pedro Riera Santander e sua esposa, Maria Aparecida Navarro Riera. Narram os autores que os réus são incorporadores e proprietários do Edifício Itapuã, localizado na praça Sílvio Romero, n. 132, conjuntos 40, 41 e 42, São Paulo/SP, cuja construção foi realizada sob o regime de administração ou “preço de custo” à empresa JOMAM Construtora e Comercial Ltda. Alegam que subscreveram em 15/10/1986 e 31/10/1986, respectivamente, “cartas propostas”, nos termos do art. 35 da Lei de Condomínio e Incorporações, por intermédio das quais formalizaram a promessa de adquirir frações ideais, correspondentes aos apartamentos 131 e 132 (Armando), 121 e 122 (Ripani) e 112 (Maldonado) do Edifício Itapuã, obrigando-se ao pagamento das despesas relacionadas a sua construção.

Afirmam que o preço estabelecido para cada fração ideal, à época, foi de CZ$ CZ$ 277.000,00 (duzentos e setenta e sete mil cruzados) para Armando Salum Abdalla, CZ$ 267.000,00 (duzentos e sessenta e sete mil cruzados) pra Waldemar Ripani e 257.000,00 (duzentos e cinquenta mil cruzados) para Lourdes Maldonado. O preço de construção de cada unidade, contudo, foi estimado em CZ$ 528.000,00 (quinhentos e vinte e oito mil cruzados). De acordo com o mencionado documento os autores se comprometiam, ainda, a assinarem, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, o instrumento de compra e venda, mas, apesar de terem sido pagas todas as parcelas, o contrato nunca foi assinado, razão pela qual, em 15 de junho de 1988, os autores notificaram os réus e a construtora JOMAM para procederem, no prazo de 10 (dez) dias, a outorga definitiva das frações ideais adquiridas e quitadas. Aduzem, também, que em fevereiro de 1989, cessaram os pagamentos, com a tácita anuência dos réus, tendo em vista que as quantias depositadas j'a ultrapassavam em muito o valor dos apartamentos, caso estivessem prontos, e a situação física da construção, que permanecia na fase de estrutura, demonstrava a absoluta impossibilidade dos réus cumprirem a obrigação.

Diante disso, os autores requereram a devolução dos valores pagos, com acréscimo de multa de 50% sobre tal montante.

Os réus apresentaram contestação e reconvenção, pretendendo a condenação dos autores nos valores por eles despendidos no período de 1989 a abril de 1994, que, conforme acordo verbal, ficaram sob a responsabilidade dos réus e da construtora JOMAM.

O Juízo de primeira instância julgou procedente o pedido, determinando, ante a rescisão do contrato, a devolução das quantias efetivamente pagas, atualizadas monetariamente a partir do desembolso e acrescidas de juros de 0,5% ao mês a partir da citação, bem como o pagamento de multa de 50% sobre os valores pagos pelos requerentes, descontando-se os gastos efetivados pelos réus com documentação. Julgou improcedente o pedido reconvencional (fls. 921/926).

Os réus apelaram (fls. 937/955) e Maria Aparecida Navarro Reverte, ex-esposa de Pedro Riera Santander interpôs recurso adesivo (fls. 957/959).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu, de ofício, a carência da ação e da reconvenção, julgando prejudicados os recursos, consoante acórdão assim ementado:

CONTRATO - Incorporação Imobiliária - Construção sobre o regime de administração ("preço de custo") - Rescisão contratual e pedido de devolução das quantias pagas - Ilegitimidade "ad causam" dos incorporadores - Responsabilidade eventual do condomínio, representado pela Comissão de representantes - Lei Federal n. 4.591/64 - Carência da ação e da reconvenção declarada de ofício, com fulcro no art. 267, VI, e § 3° do CPC - Recursos prejudicados. (fls. 1.010/1.016)

Opostos embargos de declaração (fls. 1.019/1.024), foram rejeitados (fls. 1.028/1.033).

Inconformados, os autores interpuseram recurso especial (fls. 1.040/1.062), fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, alegando, em síntese:

a) violação ao art. 535, II, do CPC, pois, embora suscitado nos embargos de declaração, o Tribunal de origem deixou de se manifestar sobre os arts. 35, § 5°, 42 e 66 da Lei 4.591/64;

b) violação ao art. 58 da Lei 4.591/64 e 267, VI, e § 3°, do CPC, vez que no caso dos autos é incontroverso que os incorporadores se confundem com os alienantes das frações ideais e que inexiste um condomínio, motivo pelo qual inaplicável os referidos dispositivos.

Contrarrazões às fls. 1.077/1.081.

Admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fls. 1.084/1.085), subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Luiz Felipe Salomão (Relator):

2. Primeiramente, não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil.

O Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

Além disso, basta que o órgão julgador decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Não há omissão, tampouco, quando o julgador adota outro fundamento que não aquele perquirido pela parte (REsp 1132350/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 17/12/2009).

3. No tocante à violação aos arts. 58 da Lei nº 4.591/64, 267, VI, e § 3°, do CPC, contudo, prospera a pretensão dos autores.

O art. 58 da Lei nº 4.591/64 prevê, quanto ao regime de construção por administração, também chamado de regime de construção à preço de custo, que:

“Art. 58. Nas incorporações em que a construção for contratada pelo regime de administração, também chamado 'a preço de custo', será de responsabilidade dos proprietários ou adquirentes o pagamento do custo integral de obra, observadas as seguintes disposições:

I - todas as faturas, duplicatas, recibos e quaisquer documentos referentes às transações ou aquisições para construção, serão emitidos em nome do condomínio dos contratantes da construção;

II - todas as contribuições dos condôminos para qualquer fim relacionado com a construção serão depositadas em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimentos bancários, as quais, serão movimentadas pela forma que for fixada no contrato. ”

Assim, a construção do imóvel é negócio coletivo, administrado pelos próprios condôminos, adquirentes de frações ideais do empreendimento, que, por meio de uma comissão de representantes, recebe, administra e investe os valores vertidos por todos, motivo pelo qual os riscos do empreendimento são de responsabilidade dos adquirentes.

Nesse passo, em regra é incabível que a incorporadora figure no polo passivo da ação de devolução das parcelas pagas e administradas pelo condomínio.

Humberto Theodoro Júnior assim se manifesta sobre o tema:

“(...) diante da sistemática da incorporação, no regime da construção por administração (preço de custo), nem mesmo tem o adquirente legitimidade para exigir da construtora, no caso de rompimento do contrato, a restituição das parcelas já aplicadas na obra, já que esta se desenvolve por conta do condomínio, representado pela comissão de representantes. ” (Incorporação imobiliária: atualidade do regime jurídico instituído pela Lei n. 4.591/64), in Revista Forense, v.100, n.376, 2004, p. 92)

Confira-se, também, o precedente contido no REsp 679.627/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/10/2006, DJ 20/11/2006 p. 301.

4. No caso ora em análise, esclareceu o Tribunal de origem que "o condomínio foi regularmente constituído em assembleia realizada em 31 de março de 1987 (v. cópia da ata juntada às fls. 132/133" (fl. 1.016).

Prosseguindo, afirmou o acórdão:

“Consta da inicial que os autores adquiriram, no ano de 1986, unidades do Edifício Itapuã, que seria erigido pelo sistema de “preço de custo”, efetuando pontualmente os pagamentos relativos às despesas de construção – haja vista que as frações ideais já estavam quitadas – até fevereiro de 1989, quando perceberam que as quantias depositadas ultrapassavam, em muito, o valor de cada apartamento se estivessem prontos, e a situação física de sua construção àquela época, como até a presente data, expressa a mais absoluta impossibilidade de os réus cumprirem as obrigações. Postularam a rescisão contratual, a devolução das quantias pagas e a imposição de multa de 50% sobre a quantia a ser devolvida, a teor do disposto no art. 35, § 5º, da lei 4.591/64”. (fls. 1.013)

Contudo, nesse caso, embora exista a figura do condomínio, os valores devidos para a realização da construção eram pagos diretamente ao alienante das frações ideais, o qual se confunde com os próprios incorporadores, restando ao condomínio, somente, a fiscalização das obras realizadas e dos valores cobrados, que eram apresentados pela construtora.

De fato, está descaracterizado o regime de administração ou “preço de custo” para a realização da obra, pois, na verdade, como assinala o acórdão, os réus alienantes eram incorporadores e, ao mesmo tempo, construtores.

Toda a administração do empreendimento, inclusive o recebimento das parcelas pagas pelos condôminos, estava sob responsabilidade dos alienantes/incorporadores, motivo pelo qual não há falar em carência da ação.

O artigo 58, caput, da Lei 4591/64, destarte, restou malferido, porquanto não tem aplicação para o caso concreto, eis que os autores pleitearam devolução das quantias pagas, afirmando que não houve a realização da obra, de modo que sustentam a ocorrência de inadimplemento contratual por parte das rés.

Caio Mário da Silva Pereira, ao tratar dos direitos do adquirente em face do incorporador explica:

"A Lei. n. 4.591, de 16 de novembro de 1964, mencionou, então, certas regras, de aplicação obrigatória, que constituem condições legais de incorporação e que se aplicam em relação a qualquer incorporador, seja pessoa física, seja pessoa jurídica (art. 43), que haja contratado a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis. São pois as obrigações do incorporador:

(...)

II - Responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários pelos prejuízos que sofreram com a interrupção das obras ou seu retardamento injustificado. O incorporador não se pode plantar na escusativa de que é mero intermediário. dentro da filosofia da nova lei, é a chave do empreendimento, ao qual se vincula em caráter permanente. Como parte contratante, tem o dever de movimentar a obra e manter a construção em ritmo normal, para que se cumpra a cronograma traçado desde o início. Poderá ocorrer motivo justo de redução da intensidade de trabalho, ou mesmo sua paralização, como seria uma greve ou a falta de material indispensável, ou mesmo o fato da outra parte, como a cessação dos pagamentos.

O que a lei não lhe escusa é o retardamento ou a paralização injustificada, que erige em fundamento de reparação civil aos adquirentes. (SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Condomínio e Incorporações. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2000, p. 282/283)

Confira-se, também, o seguinte precedente:

CIVIL E PROCESSUAL. CONSTRUÇÃO POR REGIME DE ADMINISTRAÇÃO. AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, CUMULADA COM PERDAS E DANOS E DEVOLUÇÃO DE PRESTAÇÕES PAGAS. JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA PARCIAL EM RELAÇÃO AO 1º AUTOR. IMPROCEDÊNCIA QUANTO AO 2º, POR TER INTEGRADO A COMISSÃO DE REPRESENTANTES DO CONDOMÍNIO, QUE APROVOU AS CONTAS APRESENTADAS PELA CONSTRUTORA. RECURSOS ESPECIAIS DA RÉ E DO 1º AUTOR. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PELO DESCUMPRIMENTO DE NORMAS LEGAIS QUE LHE CABIAM CUMPRIR, COM EXCLUSIVIDADE. RESCISÃO PROCEDENTE. PERDAS E DANOS NÃO PROVADOS. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. RESCISÃO ESTENDIDA AO 2º AUTOR. ATRIBUIÇÕES PERANTE A COMISSÃO QUE NÃO SE CONFUNDEM COM SEUS DIREITOS COMO PROMITENTE COMPRADOR E CONDÔMINO.

I. Procede o pedido de rescisão de compromisso de compra e venda, com a restituição, pela ré, das parcelas pagas, quando demonstrado que a construtora infringiu diversas normas legais atinentes à obra por regime de administração, que eram de sua exclusiva competência observar.

II. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" - Súmula n. 7-STJ.

III. Rescisão que se estende ao 2º autor, também condômino, porque, embora integrante da Comissão de Representantes que aprovou as contas prestadas, seus direitos como condômino em face do inadimplemento da construtora não se confundem com a atuação do órgão, pela qual respondem seus integrantes perante os demais condôminos, se provada, em ação própria, omissão, negligência, desídia, dolo ou culpa no múnus que lhes foi atribuído pelos participantes do empreendimento.

IV. Recurso especial da ré não conhecido. Conhecido em parte e provido o do 2º autor.

(REsp 37.676/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2005, DJ 23/05/2005 p. 290)

5. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, lhe dou provimento, a fim de afastar a aplicação do art. 267, VI, do CPC, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja dado prosseguimento ao julgamento.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília, 16 de março de 2010 

Fonte: STJ

Recurso Especial nº 426.934 - SP (2002/0040810-1)



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