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domingo, 29 de maio de 2011

Jurisprudência - Formal partilha - art. 1.829 I CC - Não atribuição cota cônjuge - doação caracterizada

Apelação Cível

Data: 16/3/2010 Data DOE: 20/5/2010 Fonte: 1.227-6/5 Localidade: São José do Rio Preto

Cartório: 2º Registro de Imóveis de São José do Rio Preto

Relator: Munhoz Soares

Legislação: Lei 6.015/73 - Lei Estadual 10.705/2000


Sucessões. Inventário. Formal de partilha. Título judicial – qualificação registral. Partilha – bens particulares - atribuição – doação – ITCMD - ITBI. Partilha – cônjuge – concorrência – bem particular. Partilha judicial – exame pelo Oficial.


Registro de Imóveis - Dúvida registral - Recusa do registro de formal de partilha expedido em processo de inventário - Admissibilidade da qualificação do título judicial pelo oficial de Registro de Imóveis - Viúva casada com o falecido pelo regime da comunhão parcial de bens - Bens particulares do falecido que foram conferidos exclusivamente aos herdeiros - Exigência de recolhimento do ITBI - Controvérsia a respeito da interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. Aspecto judicial insuscetível de exame em sede de dúvida - Verificação da regularidade do recolhimento do ITCMD, no entanto, que se insere nos atos a serem praticados pelo oficial, nos termos do art. 289 da Lei n. 6.015/73- Dúvida improcedente. Recurso provido.


Íntegra:


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.227-6/5, da Comarca de SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelada YARA MARIA SOARES MARTINS.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do Desembargador Revisor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Presidente do Tribunal de Justiça, em exercício, e REIS KUNTZ,Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, em exercício.

São Paulo, 16 de março de 2010.

(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

Registro de Imóveis - Dúvida registral - Recusa do registro de formal de partilha expedido em processo de inventário - Admissibilidade da qualificação do título judicial pelo oficial de Registro de Imóveis - Viúva casada com o falecido pelo regime da comunhão parcial de bens - Bens particulares do falecido que foram conferidos exclusivamente aos herdeiros - Exigência de recolhimento do ITBI - Controvérsia a respeito da interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. Aspecto judicial insuscetível de exame em sede de dúvida - Verificação da regularidade do recolhimento do ITCMD, no entanto, que se insere nos atos a serem praticados pelo oficial, nos termos do art. 289 da Lei n. 6.015/73- Dúvida improcedente. Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de fls. 97/99, que julgou improcedente dúvida inversa e determinou o registro do formal de partilha tal como apresentado.

Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso. Disse que a partilha contemplada no formal conferiu aos filhos do falecido a integralidade de bem de sua propriedade particular, sem conferir à viúva a cota que lhe cabia por força do disposto no art. 1.829 do Código Civil. Assim sendo, os herdeiros filhos receberam mais do que lhes caberia e há necessidade de demonstração do recolhimento ou do direito de isenção do tributo. Aduziu que a origem judicial do título não isenta o registrador de proceder à sua qualificação.

O recurso processou-se regularmente.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo improvimento do recurso (fls. 120/121).

É o relatório.

Desde logo, registre-se não haver controvérsia quanto à admissibilidade de o registrador proceder à qualificação do título de origem judicial: Processo n. 108.173/2008, rel. Des. Ruy Camilo, j. 30.3.2009, e Processo 120.159/2008, rel. Des. Ruy Camilo, j. 12.2.2009.

Sobre a questão, vale invocar o que ficou decidido no Processo n. 120.159/2008, j. 12.2.2009:

“Ocorre que esta Corregedoria Geral da Justiça (item 106, Cap. XX, das NSCGJ), com amparo na jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura (cf. Apelações Cíveis nºs 22.417-0/4 e 44.307-0/3), tem entendido que o fato de se tratar de título judicial – como o ora em discussão – não o exime da observância dos princípios e normas do direito registral, a ser verificada pelo Oficial do Registro de Imóveis, a fim de que possa ter acesso ao fólio real. Não se trata, por evidente, de atribuir ao Oficial Registrador o poder de rever a decisão proferida na esfera jurisdicional, mas, diversamente, de reconhecer-lhe o dever de examinar, sob o aspecto formal, a regularidade do título judicial a ser registrado, sempre com base nas normas próprias ao registro imobiliário. É a atividade típica de qualificação registral, que compete, por força do sistema normativo vigente, aos Oficiais de Registro de Imóveis.

Assim, eventual inconformismo da parte interessada com os motivos da recusa expostos pelo Oficial Registrador, que, no caso, inviabilizam o pronto ingresso do título no fólio predial, deverá ser manifestado pela via de processo administrativo próprio, vale dizer, da dúvida registral, tal como disciplinada no art. 198 da Lei n. 6.015/1973. A dúvida registral, uma vez suscitada pelo Oficial Registrador a requerimento do interessado, deverá ser dirimida pelo Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente da serventia, com recurso posterior, se necessário, para o Colendo Conselho Superior da Magistratura, órgão competente para o reexame da matéria”.

No que se refere à recusa apresentada pelo Oficial do 2º Registro de Imóveis de São José do Rio Preto, verifica-se que ela se fundou no fato de a partilha não haver conferido à viúva a parte que lhe cabia, segundo o registrador, no bem imóvel de propriedade particular de seu falecido esposo.

A partir de tal constatação, o oficial considerou indispensável a verificação da regularidade do pagamento dos tributos, uma vez que haveria, a prevalecer tal interpretação, verdadeira doação da parte ideal da viúva aos filhos do falecido.

Note-se que a conclusão do Oficial registrador decorre da leitura do art. 1.829, I, do Código Civil, segundo o qual o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da comunhão parcial de bens concorrerá com os descendentes na sucessão legítima, se o autor da herança não houver deixado bens particulares.

A redação do mencionado dispositivo, note-se, é controvertida, pois há quem considere que se, como no caso, houver ao menos um bem particular, o cônjuge concorre com os descendentes em todos os bens – ou seja, tanto os comuns como os particulares.

Essa a posição perfilhada por Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil brasileiro, v. VI, 21ª ed., 2007, p. 122, e Inácio de Carvalho Neto, Direito Sucessório do cônjuge e do companheiro, Método, 2007, págs. 130/131.

A doutrina majoritária, contudo, adota posição diversa. Admite a concorrência quando houver bens particulares do autor da herança, exclusivamente em relação a esses (José Luiz Gavião de Almeida, Código Civil Comentado, v. XVIII, Atlas, 2003, págs. 226/227, Giselda Maria Fernandes Novaes, “Ordem de Vocação Hereditária”, In: Direito das Sucessões e o novo Código Civil, coords. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Rodrigo da Cunha Pereira, Del Rey, 2004, e Euclides de Oliveira, Direito de Herança, Saraiva, 2005, págs. 108/109).

De todo modo, como se vê, não há controvérsia quanto ao fato de a viúva fazer jus a uma cota dos bens particulares do falecido quando concorrer com descendentes dele e for casada pelo regime da comunhão parcial de bens.

Daí decorre que a nota de devolução é procedente.

De fato, como afirmado pelo 2º Oficial de Cartório de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto, em virtude da preterição do direito da viúva à parte que lhe caberia no imóvel, houve transmissão gratuita de bens sujeita ao ITCMD, cujo pagamento ou isenção deve ser comprovada pela interessada.

Não há negativa de registro do formal em virtude do critério adotado para a partilha, que tem natureza jurisdicional, insuscetível de análise na via registrária.

A recusa decorre, exclusivamente, do fato de haver necessidade de prévia deliberação tributária pela Secretaria da Fazenda em relação ao ITCMD (fls. 54).

O dever dos oficiais de registro de verificar a regularidade do recolhimento devido em decorrência dos atos que lhe forem apresentados está contemplado no art. 289 da Lei de Registros Públicos:

Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.

A respeito do tema, vale o registro de que ela deve ser feita no momento da apresentação do título a registro, como já decidiu esse E. Conselho, nos autos da Apelação Cível nº 70.660.0/9:

“Quanto ao ITBI é ele fruto da “transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil”, nos termos do art. 35, I do Código Tributário Nacional.

“Sua apresentação é de rigor por causa da transmissão imobiliária, independente de esta ser judicial ou resultante de acordo de vontades. Tal fato é reconhecido pelo apelante, que afirma pretender efetuar seu recolhimento, desde que solucionado o registro. O recolhimento do ITBI é pressuposto do ato de registro e não conseqüência. O título, ao dar entrada no Registro de Imóveis, deve estar revestido e instruído de todos os documentos e requisitos para sua admissibilidade no fólio real. A falta de comprovação de tal imposto, reconhecido pelo apelante como não recolhido, é óbice para o registro.

“A exigência das certidões dos tributos está condicionada ao exercício da função do Oficial nos termos do art. 289 da Lei de Registros Públicos: “no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

Especificamente sobre o tema em exame, o E. Conselho manifestou-se no mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente em primeiro grau – Formal de partilha - ITCMD tido por insuficiente pelo Registrador – Dever de fiscalização do pagamento pelo Oficial que se limita à averiguação do recolhimento do tributo devido, mas não de seu valor – Recurso provido (Ap. n. 996-6/6, rel. Des. Ruy Camilo, j. 9.12.2008)”.

“Registro de Imóveis - Dúvida - Formal de Partilha - Necessidade de verificação do recolhimento do imposto de transmissão - Inexistência de decisão judicial isentando de pagamento - Recusa devida - Recurso desprovido” (Ap. n. 000078-6/7, rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 17.12.2003).

Acrescente-se que a responsabilidade do oficial pelo recolhimento dos tributos também resulta do disposto no art. 8º da Lei Estadual n. 10.705/2000, que lhe confere responsabilidade solidária em caso de falta de recolhimento do tributo acaso devido.

E o art. 2º, II, § 5º, da legislação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Qualquer Bens ou Direitos – ITCMD, prevê a incidência do tributo sempre que qualquer herdeiro receber a título gratuito parte superior ao que lhe cabe a título de meação ou quinhão, cumprindo à Secretaria da Fazenda reconhecer a não incidência do imposto (arts. 6º, II, 7º e 8º, do Decreto n.46.655/2002, que disciplinou a Lei n. 10.705/2000).

Como se vê, a devolução do título não decorreu de ingerência da oficial em qualquer matéria de natureza jurisdicional, mas exclusivamente do dever de fiscalização do recolhimento do tributo que lhe foi conferido pelo art. 289 da Lei de Registros Públicos.

Nem se diga que a manifestação da Secretaria da Fazenda de fls. 44 altera a conclusão exposta no parágrafo anterior.

O reconhecimento da isenção visa apenas ao imposto causa mortis, e a isenção para doações de valor inferior a 2.500 UFESPs sempre estará condicionada à apresentação de declaração e reconhecimento pela Secretaria da Fazenda (art. 6º, II, do Decreto n.46.655/2002).

Diante do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, para julgar procedente a dúvida inversa e manter a recusa do registro do título.

(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

1. Trata-se de recurso interposto pelo Promotor de Justiça contra a r. sentença que julgou improcedente dúvida inversa suscitada por Yara Maria Soares Martins, contra a exigência efetuada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SãoJosé do Rio Preto, que recusou o registro de formal de partilha.

Sustenta o apelante, em síntese, que a partilha foi elaborada de modo a conferida aos filhos do falecido a integralidade dos bens, sendo certo que à sua cônjuge, nada foi atribuído, contrariando o disposto no artigo 1829 do Código Civil. Dessa forma, receberam os herdeiros uma cota maior. Pugna, ainda, pela apresentação do comprovante do recolhimento do imposto devido, ou de sua isenção. Acrescentou, por fim, que a origem judicial do título não impede proceda ao Oficial Registrador à sua qualificação.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo improvimento do recurso.

É o breve relatório.

Acompanho o nobre Relator, o recurso comporta provimento, conforme ressaltou.

Por proêmio, cumpre consignar que não obstante cuidar-se de título judicial, para que este tenha ingresso no fólio real, é imprescindível a sua qualificação registrária, conforme precedentes jurisprudenciais.

Por outro lado, verifica-se que a não atribuição da cota hereditária à viúva conduz à conclusão de que houve, em verdade, transmissão gratuita de bens, sendo então, de rigor, necessário proceder-se ao recolhimento do ITCMD, ou provar sua isenção, providência que compete à interessada.

Convém ressaltar que este proceder do Oficial Registrador está em conformidade com o artigo 289 da Lei de Registros Públicos, bem assim, de acordo com o artigo 8º da Lei Estadual nº 10.705/00.

Desse modo, não se poderia adotar solução diversa da oferecida pelo ilustre Relator, segundo anotado.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso interposto.

2. Recurso provido – Formal partilha – Não atribuição de cota à cônjuge – Ocorrência de doação – Necessidade de comprovação de recolhimento de ITCMD, ou de sua isenção, pela interessada – Atribuição do legislador ao Oficial Registrador, nos termos do artigo 289 da LRP e artigo 8º, da Lei Estadual nº 10.705/00.

(a) MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Revisor

(D.J.E. de 20.05.2010)

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